26.2.11

Eu, Vulcano


Cheguei disfarçado na noite
Com uma flor na mão
E tambores no coração
Cheguei de olhos fechados
Por conhecer teus atalhos
E acreditar que teu eu
Ansiava pelo toque
De uma longa solidão

Vim depressa
Vim diferente
Vim prudente
Quis-te em Pafos coroada
Quis encontrar-te queimada
Em fogo de Citereia
Como deusa de paixão

Vim no barco "pensamento"
Pedi para ter madrugada
Escondendo a enseada
Para ancorar minha espada
No teu corpo luarento

Trouxe a tua voracidade
Nos desejos atirados
E trazidos pelo vento
À minha pele deserta
Fustigada por ausência
E por tempo turbulento

Cheguei com uma flor na mão
Seu perfume a crescer
As pétalas rindo, em robor
Mas encontrei-te vazia
Com alma despovoada
Em Marte, vontade pousada

Eu Vulcano, a vacilar
Com o coração a mancar
Imolei-me, morri na dor

19.2.11

uma palavra tua


Bastava uma palavra tua
E o inverno se esconderia envergonhado
Na primeira esquina da rua
Que pressinto gelada ainda
Uma palavra tua
E a noite que não me larga a janela, fugiria atarantada
Perdendo gotas de estrelas
No parapeito da alma

Bastava uma palavra tua
E deixava-me adormecer, sossegado
Imaginando os teus braços
A velar-me os desejos

Se tivesse
Dissolvia uma palavra tua
Em copo cheio de saudade
Bebia-a em golos demorados
Conforme bula
Sarando a ferida que tenho
Por falta de uma palavra tua

18.2.11

Slalom


Deslizo na tua pele
Em slalom rápido
Contornando os obstáculos
Dos teus arrepios

Fecho os olhos com receios
De encontrar tentações
E perco sentidos
Encontrando os teus, despertos
Acordados pelos skis dos meus dedos
Que sulcam, perdidos, os teus seios

Os teus lábios encarnados
Sinalizam meu destino
E num aplauso molhado
Recebem os meus
Com uma coroa de beijos

Fecho os olhos com receios
E o hino do teu corpo
Tocado só para mim
Estremece-me a pele
Respeitosamente em sentido

17.2.11

ping pong


ping
pong
.................. ping
.................. pong
...................................... ping
...................................... pong ... pong ... pong

tong
tsssssssssssssssse

ping
pong
.................. ping
.................. net
.............................. ping
.............................. pong
....................................... ping
....................................... pong ... pong ... pong

tong ..........tung
mau ..........mau ..........mao

tsssssssssssssssse

mao tse tung

15.2.11

De cima


De cima
Vejo os verdes recortados
Papéis de lustro colados
Em suicídio de Inverno
De cima, à hora do meio-dia
Vejo refluxos de estrelas
Pingas dormentes da noite
Que em evaporação de luz
Brilham agora nos olhos

Vejo fios de azul-água
Desenhos nervosos de lápis
Em correntes de degelo
Vejo atalhos de formigas
Procurando as migalhas
Das vidas que não enxergo

Vejo alguns chapéus vermelhos
De barro, cobrindo casas
E adormecido à janela
Dentro delas, vejo corpos
Nús, deitados, embrulhados
Em amores de Primavera

o fim-das-coisas


Quero ver o fim-das-coisas
Quero ir cheirar o caos
Depois do incêndio dos corpos
E caminhar por destroços
Das casas que foram amor
Beber lava de vulcão
Em erupção cutânea
Suores frios escorridos
Pelo medo adormecido
Que a morte sempre traz

Quero meus dedos marcados
Na fuligem das memórias
Sobreviventes de histórias
Que me deixaram contar
Quero ter nas minhas mãos
O fumo do indelével
Ver a luz, o fim-das-coisas
Para depois vos dizer
Com ressuscitar de palavras
Como foi então morrer

6.2.11

Sigur Ros


Escoas-te em fio imaginado
Dançando em labirinto de estrelas infinitas
Escorres-te em colares de espirais concêntricas
Que abraça o coração e
A noite que não me acaba

Deixo-te entrar em rosa
Flor em mim
Derramada
Por mim
Em lava de luar

Que adorna
A minha solidão de alma
Celebração
Vitória
Da música a chegar

Escoas-te em mim
Em som
Deslizas em notas minimalistas
Contornando as rugas da memória
E deixas-te adormecer exausta
Sobre a cama dos sentidos
Com linhas de pentagrama
Em espera

5.2.11

igreja em cada peito


há uma igreja em cada peito de nós
onde o recolhimento encontra a alma
onde, quando fechada, ficamos à porta
recolhendo as esmolas
de quem passa
trocos de sorrisos
restos de felicidade
cêntimos dos sonhos
que criámos

em cada peito
uma imagem desenhada
ou riscada
ou montada
ou cravada
em altar de mármore
pedra de vida fria
veios de cor
em disfarces
de amor

em cada alma
chuva gotejando
sal de lágrimas
dedos procurando
feridas de luar
corpo estorvando
o voar

em cada peito
uma igreja
uma alma
uma encruzilhada
sem movimento
quase abandonada

1.2.11

Beijos atrasados


São lábios esgotados e dormentes
São secos e gretados por demora
Dos beijos cheios d'água apalavrada
Chovida em tormenta, a destempo
Trazida por passado, em engano

A acre espera de um beijo teu
Traz um sabor a mim do infinito
Encosta-se na alma em desafio
É eco do meu grito sufocado
Por letras mal escritas que perdeste

Eu tenho lábios presos por dois dedos
Calando as palavras terroristas
Que morrem com estrondo suicida
No céu resignado desta boca

Os beijos atrasados já não chegam
Os lábios esquecidos já descansam
Os dedos em castigo, eu liberto