31.3.11

O fogo dos meus olhos

Dispo-te com o fogo dos meus olhos
Queimando-te a pele como se fosse sol, no pino do meio-dia
Deixo-te derretida nos meus dedos
E em toques sinfónicos
Que procuram as teclas dos teus sentidos
Ouço a musicalidade das palavras que nos teus lábios dançam

Surdo-me com medo de perder o embalar cantado por teus braços

A alma, vibrando devagar, chora
Afinada por diapasão tocado mansamente ao ouvido
Dispo-te com o fogo dos meus olhos
E sigo a nudez que me ofereces, em pedaços de corpo que desejo
Consumo lentamente a linha ténue das cinzas
Que permanecem no tempo dos teus passos
Aspiro-as e deliro
Vejo em alucinantes gritos
O amor que morreu no incêndio ateado do passado

21.3.11

Convite - Vilnius, Primavera Cultural em Portugal


Dias 24 e 25 de Março realizam-se em Vila do Conde os eventos mais importantes destes 15 dias de Cultura Lituana em Portugal.

Dia 24, pelas 18.30, no Auditório Municipal de Vila do Conde, acontece a abertura oficial das exposições com a presença de todos os artistas, seguido de uma conferência sobre a História da Lituânia e os seus pontos de aproxi,ação à História de Portugal.

Dia 25, pelas 21.30, também no Auditório Municipal de Vila do Conde, poderá assistir a um concerto com a cantora Lituana Sigita Trimakaite e o pianista Português Filipe Raposo.
Depois do concerto, pelas 23.00 horas, teremos o ponto alto deste evento com Esculturas de Fogo, na margem do rio Lima. Pela primeira vez em Portugal este espectáculo ficará por certo na memória de todos os presentes.
Mais informação pode ser consultada aqui.

20.3.11

Pescador de sonhos

Meticulosamente
Abre um orifício no gelo
E senta-se numa esperança branca
Infinitamente pintada na alma

Bebe tragos de convicção
De uma garrafa que fora de vodka
Que lhe cabe no bolso da memória
E disfarça o inverno
Com o quente da cinza do cigarro
Em incêndio lento
Deixando fumo cor de céu
Pousar no início da primavera

As árvores nuas, em hibernação
Estáticas, vazias de pássaros
Braços mirrados por ausência de calor
Nas margens ainda dormem
Tristes sem amor

De repente
Fio tenso nas mãos cheias pelo tempo
Presa grande que se prende
Sonho enorme que dá luta
E se solta
E se perde
Porque o orifício
Tinha raio diminuto
Desenhado a compasso
No lago gelado da mente

(versão polaca)

17.3.11

Sete segredos

Deixo-me assim sem chão
Suspenso num olhar distante
Balançando numa corda esfarrapada
Que ameaça romper com um simples grito
Deixo-me assim, em queda livre
Num vento quente sem beijos
Bafo de ladrão de sonhos
Que faz truques de magia
Enganando o meu incauto peito
Deixo-me assim, parado
Numa música que era tua
Por cada nota que mato
Esmagada entre dedos tristes
Nasce canção de revolta
Que fecho com sete segredos
Deixo-me...
Deixo-me...
Deixo-te
Sem chão
Bafo de ladrão
Que enganava o meu peito

E deixei o mar chegar

Sentei-me debaixo da lua
Para ver o mar chegar
Contei o grito das ondas
Ouvi os silêncios dos corpos
Diluídos por destroços
Parados em tragos de azar

Os deuses cegos por sal
São demónios libertados
Por fendas que vi abrir
Caminharam com ruído
Em covarde desvario
Engoliram o sorrisos
Dos olhos
Que não podem mais chorar

Sentei-me debaixo da lua
E deixei o mar chegar
Diluí-me com as ondas
Fui mais um número
Perdido
E ninguém me vai contar

12.3.11

Céu sem anjos

De repente
O rio inverteu a marcha
Revoltado com a revolta do mar
Subiu escarpas, procurou nascente
E adormeceu cansado
Perto da lua, que se dissolvia
Num céu sem anjos e com deuses
Apagando estrelas
Almas acabadas de chegar

Ao longe, o oceano
Secando lágrimas salgadas
Na areia ainda quente
Pelo corpo que deixaste de usar

Contagem decrescente



Desconstrução
De vida
Oferecida
Numa celebração de contagem decrescemte
Curva descendente
Anos tirados à sorte
Poucos? Muitos?
Morte?

10.3.11

Revolução geométrica

Quando adormeço
Soltam-se figuras geométricas
De muitos vértices, que riscam o sono
E ferem o silêncio com ângulos agudos
Que vomitam gritos quase rectos

Linhas semi-rectas esbarram no pensamento
A ausência de círculos
Impede o o contorno dos labirintos do passado
E pesadelos anacrónicos,
Saltam a sebe da consciência

De manhã, caos instalado no acordar
Restos de revolução, nos lençóis amarrotados
Com vincos de polígonos mortos
Vítimas de guerra sem papel
Generais sem minas
Procurando mm de carvão
Na alvura do terreno

Levanto-me da batalha
Faço a cama devagar
Lavo as mãos e chamo Pilatos
Antes de escrever mais um poema

6.3.11

Cinzas

São cinzas de quarta-feira
As que tu em mim deitaste

Se a minha cidade te visse
Se por ti se inquietasse
Como eu me inquieto
Suores frios lhe corriam
Cruzamentos se perdiam
E da minha janela via
Privações de gente dispersa

São cinzas, recordações mortas
Jejum de flores e abraços
Quarenta dias rasgados
Que mal podem ser contados
Num cinzeiro-calendário

Se a minha cidade te visse
Como eu te imagino agora
Fechava-se, ia-se embora
Ou mergulhava no rio
E em hipotermia de nojo
Morria num luto frio

Como eu me inquieto
Por ti que tão mal sinto

2.3.11

Como se fosse caviar

Povoo a casa com criaturas
Que em convulsões de saudades
Me saem do peito
Transparentes, com sorrisos e gargalhadas
Ocupam-me alegremente os sentidos
Habituados a sons de nada
Às paredes brancas enrugadas pelo vazio do tempo
Ao perfume de limão
Da roupa lavada sozinha
Na máquina da ilusão

Esta noite, em conversas animadas
Falamos de ti
Encomendamos abraços
Numa fast-shop de carinhos
Fizemos uma festa
Com a música dos teus olhos
E a luz que na minha alma ainda resta

Também bebemos o resto da garrafa
Que tinha o teu sorriso no rótulo
Embebedamo-nos com palavras sem nexo
Imaginamos sexo
Como se fosse caviar
Russo
Em cerimónia saboreada ao luar

Esta noite, falamos de ti
E ouvimos-te caminhar
E pisar
As lembranças nuas, que fomos deixando pelo chão