29.9.11

Nida

entre mares
existem dois ventos
e dois pensamentos pousados
nos telhados
inclinados
tremendo com dois medos de cair
entre mares
as gaivotas andam perdidas
e os olhos em despedidas
adiam vontades de as ver
dunas a crescer
engolem os dedos
como se fossem segredos
obrigados a morrer
entre mares
os cheiros entrelaçam-se
em indefinições
e os corações
acham o norte no relógio que perdeu o sol
naquela noite de tempestade
sem idade
fiquei entre dois mares
umas vezes caminhando
outras vezes disperso, sonhando
olhando dois horizontes
sentindo nos pés
a areia a abismar
na pele, as ondas frias do aguar
e ao longe, repetida
uma canção de Euterpe
doce, suave, a embalar
aqueles dois mares
de Nida

(versão polaca)

28.9.11

o brilho do teu olhar

- sabes, tenho um mundo pequeno
que cabe na minha mão
podes senti-lo por certo
enchendo a solidão
- sinto-o em rotação…
- tem dias de duas horas
onde os sonhos muito grandes
entram quase heroicamente
na minha vida real
- no teu mundo, tu tens noite?
- tenho, sempre que quiser
umas vezes uns minutos
outras porque as estrelas
não param de conversar
a noite tem horas, todas
que o dia tem pr’a lhe dar
- parece de encantamento
ou história de ninar
- fecha os olhos dois segundos
e deixa o mundo chegar
quero que sejas a lua
que ele usa pr’a girar
e assim sem perceberes
completas universo
e eu fico submerso
no brilho do teu luar

21.9.11

miúda de vermelho


encontrei atrevido
cheiro de chupa-chupa de morango

vermelho escorrido
sofregamente lambido
vapor de saliva adocicada
fluído que me invade a mente
e se escoa distraidamente
nos meus passos que se retardam
ao vê-la
sentada
infantilmente apalermada
com lábios de um vermelho bandido
que nos assalta o olhar

miúda de mini saia
provocação abundante
língua brincando com chupa-chupa de morango
trechos de fandango
provocante
blusa esvoaçante
com um vermelho destemido
revolucionário
revolucionando a avenida
até ali, esquecida
sem chupa-chupas de morango
entrando, saindo, numa boca de menina erotizada

15.9.11

combinações



combinamos ser complementos, cúmplices, companheiros
talvez amantes
eu , a gaveta onde te guardas
dos pássaros que te levam os sentidos
tu, a flor dum exupéry
alegrando o planeta
dum princípe adiado...

combinamos utopias
como se fosses mesmo minha
como se a cama de manhã
estivesse quente do teu corpo
inexistente
e a tua voz eu encontrasse
enfeitando o silêncio
das torradas esquecidas na cozinha...

combinamos SMS‘s em código morse
batidas de coração
e fumos de incenso enviados às escondidas
da sala de estar
onde as bonecas sentadas na vitrina
cobiçam, já sem olhos, o teu olhar...

combinamos dedos
passando pelo sorriso da tua fotografia
captada no preto e branco da madrugada
película, pele, perfumada...

os teus versos em combinações de mágoa
os meus, comendo a saudade arrancada
das palavras que me deste
como se fossemos complementos, cúmplices, companheiros
talvez amantes
que se encontraram por instantes
nos beijos que deixaste perdidos nos meus lábios

pedaço de tempo
que repousa eternamente
no luto que me enegrece a boca
lápide de silêncios
gestos de amor por dizer:
“2011-2011
aqui jazem beijos
jovens
mortos por desejos
mesmo antes de nascer“

14.9.11

despido por um outono



- boa noite
- boa noite
- linda lua…
- talvez se a noite não fosse
uma noite assim tão nua
- nua? os meus olhos não enxergam
a nudez que te apoquenta
- porque não tens o teu peito
despido por um outono
que me parecia perfeito
- o inverno se aproxima…
- o inverno não me encontra
morro aos pedaços, de frio
fico-me só por um fio
do lado de cá da vida
- é uma batalha perdida?
ou é só um doentio
ataque de solidão?
- talvez seja coração
ou ausência de ternura
doença que não tem cura
apanhada com um beijo
numa noite onde ela
me vestiu, sua loucura

8.9.11

palavras escritas na janela


enquanto a terra não tremer
deixo as flores crescerem no meu quarto
e a chávena de chá esperando pelo momento
da tua mão a açucarar
deixo palavras escritas na janela
escorrendo embaciadas pelo frio
que o sopro derradeiro dos meus lábios
consegue desenhar
vejo, ainda que tenuemente
a sombra do teu corpo a chegar
deslizando pela luz
que me vem buscar
vejo, não sei se sabes
os meus pecados a passar
trazem imagens, cheiros, sabores
de coisas tuas
tão belas, agora estranhas, tão nuas
perdidas nos tempos contados
em calendários com dias escritos a bolor
deixo a dor
enterrada na cama
coberta com lençol branco
ouvindo ao longe, o pranto
dos pássaros de fogo acabados de pousar
enquanto a terra não tremer
as crianças correm no jardim
esperando ainda por mim
com bolas de sabão penduradas nos dedos
e sem medos
esperam pelo ruído calado da morte
a rebentar