25.6.12

A pedra



A mulher encontrou a pedra filosofal
No jardim
Lavou-a de algumas utopias
Que conspurcavam a sua alvura
E guardou-a num tupperware verde
De hermetismo elevado
Num armário de cozinha reservado
A orgasmos culinários.
A mulher, leu cuidadosamente a receita
Ferveu a água com a pedra
E convidou os amigos para a sopa.
Dizem os vizinhos que era meia-noite
Quando viram sair de casa
Todos os filósofos que estudaram na escola.

O espirro



Espirrei.
E o cérebro saiu-me pelo nariz
Deixando a memória reduzida a zero.
Agora o tempo,
O tempo, é o exato momento
Que os meus olhos vêem
E assim vegetando
Sou a flor da tua janela
Que regas todas as manhãs
Com sorrisos orvalhados.

24.6.12

A tempestade


Diria que a eletricidade líquida
Desabou sobre as ruas
Provocando correntes histéricas
Que transbordavam
E levavam
Restos de sonhos da cidade.
Náufragos agarravam-se a fragmentos de flores
Arrancadas por electrões, dos jardins
Sereias atordoadas
Despiam-se das escamas
Mostrando sexos resplandecentes
E nas janelas
Espreitavam anjos
Apreciando as virgindades
E esperando pela bonança.

Diria que hoje, a tempestade
Trouxe uma indelével vontade
De mudança.

23.6.12

pequenos desenhos em mim


voltaste
com o mesmo perfume na pele
e as mãos dizendo coisas
que calaram o coração
voltaste
com sorrisos que se sentem
e os olhos em espelho
onde me vejo e penteio
o meu ego em desalinho
chegaste
com histórias que desejo
com canções de top próprio
que se misturam com risos
e notas como andorinhas
que cortam aos pedacinhos
o céu que está à janela
são tesouras que voando
trazem bocados de azul
que vestes, cobrindo os seios
pintas as unhas, os lábios
e os sapatos de salto
também se tingem assim

voltaste, chegaste, deixaste
pequenos desenhos em mim

sete (7)





1 poema atrapalhado
……. escrito em cima do tempo
2 mãos em debandada
……. voando por um corpo incerto
3 horas de chuva intensa
……. deixando a alma encharcada
4 cerejas no prato
……. sobremesa rejeitada
5 dedos que eu esqueço
……. por serem da mão esquerda
6 estrelas que reconheço
……. serem minhas aliadas
7 jornadas levadas
……. por pensamentos insanos
7 dias sem os santos
……. num Junho perdido na estrada
7 colheres de areia
……. dum castelo, de uma praia
7 contos, são de fadas
……. que já não são encantadas
7 palavras cruzadas
7 minutos de sono
7 anjos já sem guarda
....... pairando nas bermas do céu
……. esperando pelas contas
……. que o poeta escreveu

(http://www.clube.spm.pt/arquivo/1291)

14.6.12

um sorriso e uma mão



bastava um sorriso e uma mão
mesmo que as palavras, cansadas
se ausentassem, atordoadas
e esta noite ficassem simplesmente paradas
nos teus lábios, a descansar
bastava um sorriso e uma mão
e a noite deitar-se-ia a meu lado
assustando a solidão
que me apoquenta e me tolda o coração
um sorriso e uma mão
palavras não, para não riscarem o silêncio
que preciso de tomar
que preciso de beber
para adormecer
e imaginar a tua respiraçãoa beijar os meus cabelos

tão simples: um sorriso e uma mão
palavras, não…

6.6.12

chuva de angústias


a manhã acordou
cheia de chuva de angústias
cheia de tormentas
de medos
de dores, escorrendo
pelos dedos
de águas nervosas
encharcando a pele
enfiando-se pelos poros
chegando aos ossos
que rangem alto
em gemidos de tempo e bolor
Oh corpo abandonado
em esperas longas
e pavores difíceis de entender
Oh alma maldita
que se arrasta em utopias
frias
impossíveis de aquecer
Oh opressão parasita
catarse troglodita
Pára! Ouve-me!
deixa-me morrer!

5.6.12

Vilnius, 5:30 da manhã


Vilnius, 5:30 da manhã
junho, 2
importante: sábado
gente
pouca gente, a acordar
outros, muitos, a vaguear
restos de prazeres mal digeridos
álcool
prostitutas
berros
homens em algazarra
bêbados
mulheres de saltos altos
roupa bizarra
em pele molhada de suor
garrafas vazias
cheias de histórias de ódio
e de amor
e eu, sóbrio, gelado
preocupado
a ajeitar
as palavras
as imagens
as viagens
na mente
e o sol, despretensiosamente
a brilhar
indiferente ao cenário
criado
neste filme real
e eu, caminhando
evitando corpos cambaleantes
com cheiro da vodka
entornada pela noite
na garganta e na alma
corpos tropeçando
no nada
com olhos turvos, quase opacos
passos fracos
desaprendidos de caminhar

Vilnius, 5:30 da manhã
opened 24 hours
hambúrgueres americanos
digeridos
engolidos na maré
das conversas sem princípio nem fim
jornais grátis ainda ausentes
as avenidas carentes
dos afagos dos pneus
as janelas insolentes
despidas
vestidas de cortinas transparentes
as montras pacientes
esperando pelos olhos
que aconcheguem vaidades
os canteiros renitentes
a mostrarem suas flores
papeleiras resistentes
a não morrerem carregadas
de merdas não recicladas
e os pássaros, indiferentes
sem corpos estranhos no sangue
voam, cantam Vivaldi
esvoaçam primavera
num céu que ainda espera
por mais gente
acordada

Vilnius, 5:30 da manhã
junho, 2
importante: sábado!

rebuçados de tristeza

- profissão?
- vendedor
- de quê?
- rebuçados de tristeza
   para quem está feliz
- têm saída?
- só à noite
quando a felicidade incomoda
e os sorrisos são tantos
que já não te deixam dormir
- parece-me coisa estranha
utopia taciturna
açúcar falsificado
droga adulterada
comprimido do desamor
- se estás feliz, experimenta
ficas triste como um louco
e eu enriqueço um pouco
vendendo mágoa embrulhada
em papelinho de prata
que docemente te mata
e voltas a sentir dor
- compro um
parece-me que vou tentar
maldita felicidade
que não deixa descansar
- toma, repousa em paz
por agora por um dia
curte a melancolia
fica feliz, infeliz…

3.6.12

sapatos vermelhos

sinto-me encarnado
sangue entornado
momento cuidado
a pensar em ti
sinto-me lento
acordado
apalavrado pelo diabo
no mercado aberto
da noite
sem lugar certo
onde cair
encarnado de despir
encarnado de partir
encarnado de parir
sonhos, sorrisos, suspiros
despidos em linho estendido
em lençol branco esquecido
no chão
onde estão
os teus sapatos vermelhos
espelhos
de desejos...

1.6.12

não sei se gostas de cerejas



não sei mesmo se gostas de cerejas
ou só por teres nascido em maio
as cerejas passaram a gostar de ti
hoje, por causa das cerejas, sentei-me para escrever
e os teus olhos, sempre azuis (não sei se por causa das cerejas)
espreitavam as palavras que elegia
escolho-as tocando cada uma com dois dedos (como as cerejas)
procuro as mais doces
gosto das palavras que se possam trincar
e, sumarentas, nos enchem a língua de sabores vermelhos, quentes
gosto das que se penduram em pezinhos com folhas de cerejeira
são tão boas para um poema, em compota…

sabes, não sei mesmo se gostas de cerejas
não me lembro
e não me importo mesmo nada que não te lembres também
as cerejas, levam-nos a memória
fazem-nos esquecer
as coisas
os dias
e as notícias dos jornais
que são sempre as mesmas

Pai, eu não sei mesmo se gostas de cerejas…