31.12.12

(DES)INSPIRAÇÃO 43.159

por falta de inspiração matemática
erro propositadamente as contas de somar
as equações de graus suspeitos
os problemas das velocidades dos comboios
que partem em tempos diferentes
das estações espalhadas pelo corpo.
as matrizes confundem-se
com o emaranhado de linhas curvas
retas deformadas pela saudade
que sufocam a mente
cegam os olhos
e deixam os dedos incapazes de pensar.
hoje a incapacidade de escrever
engoliu todas as partes conscientes de mim
deixando sobre a mesa
uma folha branca de loucuras
e um esboço de poema, com rima
em quadras
onde as palavras se misturam com algarismos
numa caótica ordem difícil de entender:
43.235
ZINCO
378.743
CORTÊS

4+286.072
E DEPOIS?
478.236
PAPEIS

25.631
COMUM
43.159
CHOVE
sim, chove…
por falta de inspiração matemática
chove demência
sobre a folha branca
que se molha com algarismos e palavras
e se embebe devagar
em aguaceiros de poesia ilógica

ela não percebia nada de matemática...


ela
não percebia nada de Matemática
fazia equações de cosmética
antes das aulas
colocava os seus óculos DG
com aros de desenho infinito
vestido sempre restrito
corpo em movimento atrevido
num andar sinusoidal
que fazia tender para zero
a segurança rodoviária
nas ruas por onde passava
ela,em discursos eloquentes
mostrava as suas mãos convincentes
com dedos primos
que dividia por um, quando tinha namorado
e quando não tinha
dividia-os consigo própria
entrelaçando-os, agarrando um conjunto vazio
que se enchia rapidamente
de tanto aperto
tacões em segmentos de reta de 10 cm
um corpo de 3º grau
difícil de resolver
e muitas incógnitas
difíceis de se ver
era finita, perfeita, inteira
era bonita, suspeita, matreira
ela
(que não percebia nada de Matemática)
trazia sempre pedaços da matéria
envolvendo a sua existência

Mulher gorda


Olá mulher gorda
Desta noite magra
Onde não adormeço
E me aborreço

E escrevo palavras
Sem qualquer endereço
Que leves levantam
Num voo arriscado
Pousando, suaves
Nos teus fartos seios

Olá mulher gorda
Parada no escuro
Duma tela órfã
Com linhas esbeltas
Contornos ousados
Ferindo de morte
Todos os desejos
Que tombam discretos
Sobre teus cabelos

Meus olhos resistem
Imóveis, quietos
Até ao momento
Que num movimento
O teu corpo cheio
Estilhaça o quadro
Em dois mil pedaços
Que caem em abraços
Tão perto de mim

Olá mulher gorda
Só quero que saibas
Que tenho um pequeno
Bocado de ti

A história do tremoço

Era uma vez um tremoço
Com uma barriga grande
Quase a rebentar
Umbigo saído
E pedrinhas de sal em volta
Para apurar paladar


Vivia numa comunidade amarela
Num bairro quase chinês
Dentro da tasca do Quim
No prato numero três
Um fast food na Estrela

No manjar, a enfeitar
Quatro azeitonas pretas
E a acompanhar, uma loura
Cheia de espuma à cintura...

Lietuva


Aporto-me a ti
Abraço-te com força, a alma
Toco-te quando caminho
Sei-te de cor cada cheiro
Cada cor que entardece
E se solta e se desprende
Do céu que adormece

Pintando as árvores d’outono
Com um pincel de Maironis

Conheço-te a pele, tão macia
E as lágrimas com que enches
Tantos corpos, tantos lagos
Onde te vês ao espelho

Toco-te assim, quando chego
Suspendo o ar que me entra
Com frio bom para o peito
Quero ouvir-te as entranhas
E dizer-te que és minha
Vontade que tenho dentro
Quando arribo à noitinha
Com pressa de te rever
E de te chamar de rainha

ozonoterapia


as gotas caindo numa velocidade
que me parecia exagerada
entravam-me nas veias
como segundos apressados
empurrando os ponteiros de relógio
e assim esperava
contando histórias a mim próprio
revendo tudo
sorrindo a todos

os que me espreitavam na memória
e assim esperava
reconhecendo o meu corpo
antes de um adormecer diferente
respirando devagar
acertando o coração
mexendo cada dedo
como se acariciasse os teus lábios
e colhesse as lágrimas
que depois me entravam no sangue
em bocadinhos líquidos de ti
para que não morresse
antes de te voltar a ver

poema inacabado, ou não (XXII)

Os mortos fugiram das fotografias
Deixando buracos gelados entre os vivos
Que receiam agora cair
No esvaziado espaço de papel
Amarelecido pelo tempo

E por detrás de um vazio
Vejo-a…
Ceifando!

poema inacabado, ou não (XXI)

Fugimos hoje
Traz-te inteira
Vem ligeira
Tenho o corpo a foguear
Os lábios já estão gretados
Porque o frio da ausência
Desensinou-me o beijar

Fugimos hoje
Vem de maneira
Para nunca mais se voltar

poema inacabado, ou não (XX)

Com perna de vidro e olho de pau
Assalto navios perdidos
Em mares brancos, de papel.
Têm porões atulhados de raros poemas
Que vendo ao desbarato a traficantes de palavras
Com olhos de vidro e pernas de pau

Os papagaios recitam-nos
Nas tertúlias dos cais iletrados

poesia inacabada, ou não (XIX)


Os pequenos dias de Vilnius
cabem agora no meu bolso
e penduram-se na argola do porta-chaves
com medo de desaparecer.
Chegados a casa,
passam as noites no hall de entrada
acordados
sentados numa prateleira que tenho em frente do espelho
esperando pelo nascer do sol.

Por não dormir,
os pequenos dias de Vilnius tem olheiras cinzentas
grandes
que não me deixam ver
o azul do céu.

poema inacabado, ou náo (XVIII)

a terceira almofada
é a ausência do teu corpo
embrulhado numa fronha de desejo.
sabes?
tem dois botões que desabotoo todas as noites
para te espreitar os seios…

quando vens?

poema inacabado, ou não (XVII)

encontravam-se de fugida
por parcos cinco minutos
na estação de Vievis
diziam parvoíces de gente
e apitavam à despedida
como verdadeiros comboios apaixonados
um dia descarrilaram
um no outro
para se abraçar

os passageiros salvaram-se todos
alguns com escoriações pequenas
de amor

poema inacabado, ou não (XVI)

1,2,3
e ficavam despidos
numa matemática
onde mais nenhum número
se atrevia a entrar
depois
os dois corpos ardiam
com perfumes de morango e baunilha
desenhando sombras trémulas nas paredes
e desejos derretidos nos lençóis

1,2,3
foi a conta que ela fez

poema inacabado, ou não (XV)

colo-me a ti
e escorro-me em chuva
até ao peitoril da janela
aberta
para o inverno poder entrar

poema inacabado, ou não (XIV)

comia sobremesa
e a sopa sempre no fim
até ao dia que ficou pobre
e as sobremesas passaram a ser servidas
só aos ricos
que faziam fila
na Segurança Social

ele, ia para outra fila
a dos caldos
em malgas de alumínio
que faziam barulho
quando a colher encontrava o fundo
vazio.

poema inacabado, ou não (XIII)

no regresso a casa
procurei desesperadamente
pedrinhas negras.
encontradas,
meti-as na boca da alma
para não me esquecer que a morte existe

só depois percebi
que as deixaste no meu caminho
ontem
antes de partires

(para o meu tio)

poema inacabado, ou não (XII)

disseram-lhe para usar aparelho
tinha os molares tortos
e os incisivos perdidos
no meio dos caninos

… apeteceu-lhe mesmo usá-lo
para endireitar as gajas
que lhe encavalitavam a vida

poema inacabado, ou não (XI)

encontravam-se à sexta feira
numa esquina
onde havia um prédio
com janelas cariadas
e telhado raro, por causa da idade

um dia o prédio morreu de cirrose
a esquina deixou de existir
e eles acabaram o namoro
fugindo cada um para um cruzamento
com semáforos super modernos
prédios novos de telhados fartos
e janelas ainda de leite

poema inacabado, ou não (X)

um cigarro desejado
desagalhava-lhe o corpo
e consolava-lhe a alma
em conversas à porta do bar

depois era a febre que chegava
fumada na cama
por entre dois golos de chá de limão

poema inacabado, ou não (IX)

nunca lhe ofereceu flores
só beijos, chocolates, abraços e poemas
que ela consumia apressadamente
antes de chegar a casa

as flores eram demasiado perigosas
deixavam rastos de perfumes
comprometedores

poema inacabado, ou não (VIII)

um “amo-te”
dito como exemplo de um verbo do 1º grupo
deixou-a a naufragar
nas vagas altas dos risos trocistas dos colegas
nunca se soube
se foi um simples exercício
ou uma declaração simples de amor

ela
não voltou às aulas
ficou em casa
estudando verbos menos perigosos
de outros grupos gramaticais

poema inacabado, ou não (VII)

as voltas da alma
trouxeram-me à boca
o sabor ácido das saudades
uma Rennie
só aliviou um pouco os olhos
que deixaram de chorar

poema inacabado, ou não (VI)

o coração descarrila
quando, chegado à estação
fita os teus olhos brilhantes
pousados no relógio de ponteiros
que me parou a idade

o comboio, inocente, segue viagem
corrigindo a arritmia ventricular que trazia

poema inacabado, ou não (V)

escrever a preto
liberta-nos das dúvidas
que o branco deixa
nas palavras invisíveis
que não fomos capazes de dizer


o azul é para os indecisos...

poema inacabado, ou não (IV)

gosto de caminhar
olhando os meus passos
e os riscos em alto-relevo
traçados no cimento
só interrompidos
pelas passadeiras
que se atravessam no caminho
com linhas que se engordam
de branco sujo

poema inacabado, ou não (III)


o meu corpo arrasta-se
com um medo enorme de dormir
ouvi dizer-lhe
que a ausência de luz
quando adormece
traz elefantes
que se passeiam pela pele
fazendo riscos de sangue com as presas

poema inacabado, ou não (II)


a falta que tu me fazes
é diretamente proporcional
ao buraco que se abre na minha alma
onde caberás inteira
quando chegares

poema inacabado, ou não (I)

o cinzento do céu
passeia-se pela terra
pintando a melancolia
na paisagem
é um cinzento frio!
olhando-o
ficamos com medo de lhe tocar