19.12.09

dou-te

dou-te o brilho dos meus olhos
reflectindo o luar
da lua que logo se enche
quando te vê a chegar.
dou-te as palavras que escrevo
com riscos de luz ardente
tinta de estrela cadente
derramada em rasto quente
aos pés do teu caminhar.
dou-te um sorriso doce
que usas numa colher
mergulhada no café
de manhã, ao acordar.
dou-te um beijo que perdi
nos dedos da minha mão
quando sem querer me esqueci
de soprar-to ao coração.
dou-te um desejo velado
enfeitiçado por ti
que se deixou embrulhar
numa carícia dual
para poderes pendurar
numa árvore de natal


jóias

foto: Paulo Queiroz (www.olhares.com)

jóias, marcas traçadas por dedos
impressões de alma, a quente
sentido eloquente
que arde em viva chama.
são sempre sonhos diferentes
trabalhados por poetas
que fazem as descobertas
do sorriso e da forma
são sinais das nossas gentes
com posturas fluentes
moldadas em sois poentes
fundidos nas nossas almas
são jóias que nascem belas
e assomam às janelas
que dão luz aos corações
são jóias que riem e choram
jóias que também coram
quando invadidas por gestos
carinhos e emoções

14.12.09

gramaticando


entrei na floresta das palavras
para colher e te trazer este poema
caminhei com sentidos apurados
atento aos perigos malfalantes
afastei as orações subordinantes
e abati os atributos afiados

lutei contra verbos tresmalhados
em combate organizado e paciente
procurando a beleza que pretendo
colocar nesta escrita inconsistente
que quero oferecer-te mal podendo
em papel de celofane transparente

bebi em charcos enlameados
por substantivos comuns envenenados
que poluíram as letras que escrevia
expurguei os artigos indefinidos
que nos tolhem, sem sentirmos, os sentidos
e nos deixam em profunda agonia

por ti, rasguei folhagem de gramática
escondi-me atrás da pragmática
misturei-me nos vocábulos da multidão
por ti, contornei morfologias
engendrei caligrafias
cultivei a abstracção
por ti, inventei a linguagem
para embarcar nesta miragem
e entregar-te a minha criação

8.12.09

palavras mudas

estou farto de não te ter aqui
farto de mão vazia de outra mão
farto das palavras por não dar
que se acumulam casualmente pelo chão.
palavras mudas num sussurrar
palavras envelhecidas por eu não ter
alguém que as possa apanhar
palavras que entristecem ao saber
que não têm ninguém para amar

estou sozinho cercado por vazios
por brancos, por ocos, por nadas em baldios
alma daninha com ervas de nostalgia crescente
que amordaçam vontades semeadas
sob a luz do derradeiro sol poente
em descampado de saudades recordadas

estou farto da minha inexistência
sozinho na minha consciência
com alma sufocada por vozes que não falam
mas como louco, as invento todo o dia
conversam com os dedos, fazendo-lhes companhia.
depois, as minhas lembranças de ti, não se calam
correm por aí, quase não param
fazendo um vento quente que arrepia
a minha pele que chora, nesta longa noite fria


6.12.09

gerúndios de vida



matando
saudades idas

limpando
suores da alma

queimando
velas perdidas
em noite apagada e calma

bebendo
loucuras tuas
ardendo
em febre calada
correndo
por restos de ruas
numa cidade arrasada

partindo
para o fim do mundo
mentindo
em versos que esqueço
sorrindo
quando chego ao fundo
da vida que eu não mereço


1.12.09

cidade fechada


prendo-me em pormenores
que me deixam acordado.
uns olhos entristecidos
molhados e recolhidos
num corpo atormentado,
uma mão quase indiferente
que diz adeus à saída
despedindo-se do amor
esbanjado numa vida,
um caminhar apressado
que imagino atrás de mim
desejo de ser tocado
num abraço aconchegado
num beijo doce sem fim,
uma montra iluminada
com um anjo, uma vela
e uma alma apagada
pousada numa janela.
prendo-me em ruas frias
da minha cidade fechada,
vagueando na passada
gasto horas, queimo tempo
cansando a solidão
que me trai o pensamento
e me faz sentir o vento
esfriar o coração