31.12.10

o infinitamente azul


o infinitamente azul chegou, devagar
podia ser luz
ou os teus olhos
diluídos nos sentidos
que se enfraquecem no tempo
podia ser, quem sabe, o mar
gemendo na praia que foge
por dentro de uma ampulheta
podia ser... o céu onde me perco
procurando a tua estrela
que (de)cadentemente se esvai

o infinitamente azul chegou, devagar
como uma fatalidade absolutamente normal
que vem roubar
de uma forma absolutamentemente casual
o sopro do teu respirar
do meu cabelo curto e ligeiramente nevado

podia ser um sorriso meu
simples, tímido, singelo
que, à noite, se rasga com o tropeçar
no destino que nos faz mudar de cor

o infinitamente azul queria definitivamente ficar

22.12.10

vamo-nos

vamo-nos diluindo
nas ignorâncias que bebemos
vamo-nos perdendo
de propósito
nas palavras sem sentido
nos amores desconstruídos
que se vomitam em gritos

vamo-nos adormecendo
embalados por passados
desfocados
desformatados
em 8 mm mal contados
vamo-nos arranhando
nos arames bem farpados
dos caminhos apagados
para onde, de olhos fechados
nos lançamos

vamo-nos arrastando
por desejos liquidados
caindo
despindo os arrepios
que foram tão desejados

bocadinhos dos teus olhos

pedaços de céu azul
repousam num branco-inverno
que se estende no olhar
quando abro a minha porta
são flocos desprendidos
de um quadro genial
que cobre hoje o firmamento
em tela acidental

são a tinta apetecida
que muda a cor dos meus frios
e aviva os sentidos
adormecidos na alma

são também (tu acredita)
bocadinhos dos teus olhos
pendurados em sorrisos
que imagino pr'a mim
são as palavras escritas
na neve que em papel
se estende no olhar
quando eu te abro a porta

14.12.10

anjos de Natal

pintura de Hugo Simberg


a neve já caía sobre a mesa
em noite que diziam ser NATAL
quando o frio servido de surpresa
os deixou numa letargia final

cansados, despojados de certezas
só silêncios lhes faziam companhia
lembravam mentalmente as belezas
que houveram no passado, nesse dia

os anjos com as asas já quebradas
por gelos d'almas pobres desavindas
deixam árvores de natal iluminadas
com lágrimas feitas de estrelas lindas

morreram os meus ANJOS DE NATAL
chegaram sem notar ao fim da linha
perderam estatuto imortal
ganharam uma alma como a minha

11.12.10

para Catarina


triste
quando o teu sorriso se esconde numa lágrima
e a tua voz se dissolve
no choro de uma guitarra
parada, num fado cantado
tantas vezes a teu lado
tantas vezes à desgarrada
triste
quando os desenhos do teu corpo
repousam imóveis em papel
numa imagem distorcida
deixada por um covarde pincel
triste
quando o tempo se distrai
não parando à passagem
duma morte que te trai
triste
por ler as palavras que repousam indiferentes
num futuro abalroado
por destino não escrito
em letra de nenhum fado
triste por não te ver a cantar
triste por tua sina
triste porque partiste
triste por ti, Catarina

1.12.10

sussurros

os dias arrastam-se na viscosidade
das banalidades que me amolecem
derreto-me pela vida, deixando rastos para identificar
marcas afundadas pela tua ausência
amarrado a falsas liberdades
que me consomem as vontades de voar
os dias arrefecem ao ritmo imparável do calendário
e trazem para dentro de mim
a neve que enche os canteiros do jardim
que observo da janela do meu quarto
os dias perdem luz
devorados pela noite expelida pela alma
perdem as horas mais claras
ganham minutos negros
que deixam às escuras o meu corpo
os dias diluem-se uns nos outros
confundindo-me os sentidos
não sinto o que vejo
não cheiro o que bebo
não vejo o que cheiro
os dias deitam-se a meu lado
e com o único sentido que me resta
ouço as palavras que sussurras de tão longe