30.12.11

se eu pudesse


se eu pudesse, não decorava este tempo
com papéis cheios de cor
e laços enormes escorrendo hipocrisia
se eu pudesse, roubava o natal do calendário
e todos os dias Cristo nasceria
sem ninguém saber
do ventre de uma Maria
se eu pudesse, decretava abraços como prendas
e os doces eram beijos enfeitados de canela
se eu pudesse, os três reis eram de areia
que se apagavam em tempestades
manipuladas por dedos de crianças
habituadas aos castelos duma qualquer utopia
e a estrela de Belém perdia o norte, e com sorte
caía desfeita como neve fictícia, made in China
comprada por um euro, na Rua da Alegria
se eu pudesse as renas deixavam de voar
e ao luar
ficavam em terra a ler histórias para adormecer
se eu pudesse, como protesto, não sorria
como protesto, abolorecia, como a aletria
esquecida sobre a mesa desde o ano passado

Ahhh se eu pudesse, agora, morria…

27.12.11

perfume do teu Natal



trago comigo os teus sonhos
trago os risos
os avisos
trago linhas
dos teus versos
trago o beijo enfeitiçado
pendurado nos meus lábios
trago as palavras que dizes
quando partes apressada
antes do anoitecer
ou perto da madrugada
trago o verde dos teus olhos
trago os teus heróis errantes
e os pequenos instantes
que te tive nos meus braços
trago também a estrela
que adormeceu sob a lua
encantada história tua
que me deixou toda a noite
olhando o céu da janela
trago os flocos de neve
que apanhaste com a língua
trago o tudo e trago o nada
trago o gosto do teu chá
em tarde enregelada
trago-te em muitos pedaços
trago as marcas, trago os traços
aquele desejo infernal
que deixa a pele assustada
trago o cheiro a tangerina
perfume do teu Natal
que liberto dos meus dedos
e dança nos meus segredos
em bicos, qual bailarina

progressão de Natal



mês 12, mês de dezembro, penso que ainda me lembro 
ser 2011, o ano, e 25, o dia, que de Roma a Pavia 
dizemos ser de Natal 
é 
um número especial - 12.201.125 
doze milhões, duzentos e um mil 
cento e vinte cinco 
e brinco 
e matutando 
matematicamente falando 
acho que algo inventei. 

recordo hoje o “pi” (π ≈ 3,14159265358979323846...) 
que serviu de álibi 
para uma relação curiosa 
de uma circunferência famosa. 
agora o meu “natal” 
(não me levem muito a mal): 
uma sequência crescente 
limitada inferiormente 
de um modo natural 

ganhou vida, a sequência 
achou-se bem diferente 
e com um ar sorridente 
assumiu-se progressão. 
diziam-lhe as invejosas 
que não, que não era progressão 
que não a tinha 
(a razão) 
e que por definição 
teria de a possuir 
era uma coisa inventada 
em perversa madrugada 
por um poeta a fingir. 

condenada! sem razão! 
ordem dada à progressão! 

razão 100 (r = 100) 
respondo eu, defendendo a donzela 
ou seja a minha invenção 
(12.201.125, 12.201.225, 12.201.325, 12.201.425, …) 
e usando a poemática 
defino o termo geral 
(an = an-1 + r = a1 + (n – 1) r 
deixando a progressão 
com um ar angelical 
a cintilar à janela

NOTA: Desafio lançado pelo Clube de Matemática ao qual respondi com um gosto muito especial atendendo à minha formação mais virada para as ciências do que para as letras. Neste exercício mensal, pretendo, de alguma forma, ''casar'' a Matemática com a Poesia... vamos ver no que dá...

22.12.11

os teus dedos

- dá-me por favor os teus dedos
quero saber os segredos
que te vão no coração.
- tenho segredos e medos
tenho feridas que doem
à noite elas me comem
quando as saudades me moem
por dentro, “bicho papão”.
- sinto os dedos com histórias
daquelas em que as memórias
se perdem na solidão
sinto linhas de sentidos
heróis de criança, perdidos
nos livros de ficção.
- quero que não  descubras
o destino dos meus dedos
eles constroem enredos
em teatro de  carícias
no teu corpo que é só meu
quero que eles perdurem
que eles assim permaneçam
contando o sopro do tempo
que neva no cabelo teu

14.12.11

hoje não amanheceu em Vilnius



hoje não amanheceu em Vilnius
o dia escondeu-se numa noite
que foi enchendo a casa devagar
não se levantou
alegou
que tu não tinhas vindo
cobriu-se de nevoeiro
e pintou o céu de negro
transferindo o sol
provisoriamente
para outra constelação
a solidão
aqui ficou
na companhia de uma escuridão
que a tua ausência
foi entornando pelas horas
contadas pelos dedos
não suficientes
por ser tanto o tempo de negruras
que se plantaram nas ruas
onde desesperadamente
se perdeu a minha alma

depois da luz da lua
ontem espreitando
por entre as lágrimas de chuva
que caíram sobre a cidade
hoje, não amanheceu em Vilnius
e mesmo ela, a lua, não era de verdade
de papel, voou
quando o teu último sorriso
me soprou
e um frio enorme me lançou
nesta tristeza que me invade

11.12.11

um Natal que é o meu




desembrulhei uma estrela
oportunidade encontrada
na loja que abriu no céu
tinha uma cor encarnada
cor de sangue
angustiada
a terra mortificada
cor dum Natal que é o meu
era uma estrela adiada
luz vermelha derramada
no mundo que foi de Diana
de Afrodite e de Zeus

uma estrela
quase humana
vinda da loja do céu
chegou
e pereceu sobre os homens
foi o último sinal
de Deus

7.12.11

fio



"A Chinese proverb says an invisible red thread connects those destined to meet, despite the time, the place, despite the circumstances. The thread can be tightened or tangle, but never be broken."



e um só pássaro de fogo voava
um só fio vermelho transparente
no bico
flutuava
era o desenrolar da minha alma
que em novelo
vivia, ao lado do coração
linha de sangue
indelével
esvoaçante
ondulante, no vento que não tem norte
mas com sorte
tem tempo, como o mar
em imensidão

um só pássaro de fogo
voava
um só fio vermelho
flutuava
inquebrável
e, inevitável
(reparei)
na outra ponta
estava a tua mão...

1.12.11

pedaços de inverno

pedaços de inverno
despegam-se dos céus
e das faces das pessoas
e das casas que enregelam
e dos dedos que se gretam
e dos corpos que se cobrem
e das mentes que congelam
e dos mares que se revoltam
e dos lagos que hibernam
e das árvores que agora choram
mil e uma folhas caducas
que alagam de velhices
os caminhos que percorro
pássaros mortos nos passeios
com sorrisos frios nos lábios
e cantos abafados
pousados
nas pautas do cimento
pouco antes de morrer
pedaços de inverno
despegam-se em Dezembro
escorregam
pelo fio dos dias
navalhas emaranhadas
que fazem o tempo esquecer
as faces
e as casas
e os dedos
e os corpos
e as mentes
e os mares
e os lagos
e as árvores
que ficam com os braços a doer

pedaços
traços
regaços
abraços
cansaços
de inverno
que me levam, ao entardecer

22.11.11

foste-me



foste com um beijo desprendido
na janela dos meus lábios

foste
ficando aqui algemado
pelo brilho dos teus olhos
na escuridão da saudade
foste
e o tempo simplesmente parou
carente, se encostou
à imagem que deixaste
foste
e a eternidade ocupou o espaço
que definitivamente pertence
ao teu sorriso
foste
quando os fragmentos de luar
caiam sobre a cidade
e miríades de gotas de luz
vieram molhar-me as janelas
foste
e fiquei sem as histórias
que tens sempre nos teus dedos
e os medos
escondidos
vieram morar comigo
bandidos
violando o meu abrigo

tenho a alma com um frio
que planta um arrepio
na pele já desesperada
tenho os olhos com agruras
tenho as noites às escuras
e o cheiros dos abraços
entornados pela casa
tenho passos
de fantasmas fugidos do outro mundo
tenho um vazio profundo
a cavar dentro do peito
foste-me
com o teu jeito
perfeito
de me deixar moribundo

17.11.11

números de outono


O Outono chegou preguiçosamente à cidade, com chuva de números miudinhos, quase imperceptíveis, que molhavam as folhas virgens de papel, estendidas na minha varanda.Um perfume numérico invadiu suavemente todas as ruas há muito desejosas de novos cheiros. As paredes dos edifícios entretinham-se a contar desordenadamente os algarismos. Ao sabor de cada gota aleatória deslizante, tentavam adivinhar sequências matemáticas que lhes colocassem sorrisos de felicidade às janelas. Sequências não monótonas, limitadas superiormente por telhados algébricos vermelhos e inferiormente por graníticos passeios que se transformam em rios onde os números, em brincadeiras irreverentes, se organizam em progressões aritméticas. As operações simples saíram dos cadernos da primária e pasmadas olhavam para aquela desorganização numérica sem perceber se alguma regra prevalecera na determinação da ordem. Repórteres dos jornais fotografavam. As televisões interrompiam emissões e em directo, davam conta do acontecimento matemático, num Outono até ali seco de eventos que justificassem intervenções não programadas. No céu ainda carregado de cinzento, uma plateia de figuras esfumadas riam, trovejando com pigarro atravessado nas gargantas. Os contornos eram lineares e brilhantes, relâmpagos desenhando Arquimedes, Bernoulli, Copérnico, Descartes, Einstein, Fibonacci, Galileo, Hook, Jacobi, Kepler, Lagrange, Newton, Pitágoras, Riemann, Thales, Weber, Zenón… sequência alfabéticas, interrompidas aqui e ali por ausência de nomes entretidos a sonhar. Eu, ando por ali, registando loucuras. Conto, descubro, equaciono, seco as folhas de papel desvirginadas pelos números miudinhos que choveram numa cadência poética dum Outono que preguiçosamente chegou à cidade. Neles descodifico este texto que não sendo perfeito é por certo uma sequência limitada e finita de palavras criptograficamente deixadas pelos poetas que matematicamente, dos céus, me contemplam…



NOTA: Desafio lançado pelo Clube de Matemática ao qual respondi com um gosto muito especial atendendo à minha formação mais virada para as ciências do que para as letras. Neste exercício mensal, pretendo, de alguma forma, ''casar'' a Matemática com a Poesia... vamos ver no que dá...

11.11.11

se eu morrer



escuta amor
se eu morrer
estarei perto do céu
e os meus últimos beijos
irão chover sobre ti
inundando-te aos poucos
com águas dos meus desejos
as conversas
voltarão a nascer no teu jardim
e à noite
quando não conseguires dormir
apanha-as só para ti
na mesa, terás cerejas
ao jantar, a luz das velas
derretendo o teu sorriso
rio que eu preciso
ver correr só para mim
escuta amor
se eu morrer
não sei se me vais ver
serei vento, serei mar
serei tempo, o tear
onde estenderás devagar
as nossas pequenas histórias
e entrelaçando os finais
que ficaram por nascer
encontrarás os sinais
que eu receei te dizer

escuta amor
se eu morrer
este poema é só teu
cuida dele com teus dedos
deixa-o falar nos teus lábios
como se ele fosse eu

3.11.11

sem luzes




apagam-se as luzes todas
vedam-se as linhas milimétricas
por onde as trevas se podem libertar
e de mãos fechadas agarramos a noite
pintando as paredes de alcatrão
onde deixamos os pensamentos aterrarem em manobras de diversão
evitamos o esvaziando do negro que queremos nosso
e a cama, um lago escuro
reflecte os sentidos que se banham em alerta
apagam-se as luzes todas
e o teu cheiro perde vergonhas
despindo-se do teu corpo para me vir perfumar
sinto de olhos fechados, os teus dedos a brincar
sinto o sorriso nos teus lábios conquistados pelos beijos
que, esvoaçantes em torno do desejo
se deixam ardentemente morrer
sinto a tua pele arrepiada
sinto o teu cabelo alisado por conversas
sinto o coração perto da boca
e a tua boca com palavras afogadas, tentando sobreviver

apagam-se as luzes todas
e os teus olhos acesos
encandeiam a noite
que fizemos acontecer

31.10.11

por ti




o silêncio toma conta de mim
roubando-me as palavras
que te queria dizer
o silêncio, comendo-me os restos
as vísceras, os dedos
roubando-me a língua
deixando-me a boca ensanguentada
a escorrer as últimas sílabas
que tingem a cama do tempo
onde me deito
e espero

onde desespero
onde, em silêncio eterno
espero

por ti

23.10.11

a última cena



no exato momento de fechar os olhos
a chuva inundava o meu corpo
submergindo a pele
e afogando os dedos que esboçavam ainda
vontade de viver
aos poucos, afundaram-se os anos
e em segundos de sufoco
os estilhaços da memória
espalharam-se em redor da alma
alumiando-lhe o destino
refletindo os pedaços de amor agonizante
que chegaram outrora a arder no coração
os cães chegaram sem latir
e lamberam as feridas ressequidas do desgosto
homens, todos de negro, limpavam o mijo
dos corvos que voavam em espirais concênticas
imitando furacões com nome de gente
a gente, carregando os ossos do passado
e a carne apodrecida daqueles que nunca quiseram morrer
chorava
aquela chuva ainda morna
que inundava o corpo
e me confortava os farrapos dos sentidos
em luta por sobreviver
Deus pintava a cena
em tela imaculada de luz
sem sofrer

19.10.11

Teorema do Amor em Conjuntos Infinitos

O logaritmo perdeu toda a razão que lhe vinha dos antepassados gregos ao envolver-se com a chaveta, menina solteira vinda de outro planeta onde os números se contam ao contrário.
Perdeu toda a sua base de sustentação e a potência que o caracterizava, foi-se por expoente abaixo.
Fez mil e um malabarismos, caiu em sofismas baratos, mas o amor exponencial, rebentava na sua infinita alma, deixando-lhe o coração ocupado em equação, cuja resolução, sabia ser praticamente impossível.
A chaveta ria, com aquele ar inocente, de garota indecente, colocando um biquinho nos lábios, como que beijando quem passa.
Dentro dela, um grupo quase infinito, elementos estranhos que por vezes se entretinha a colocar em desenhos.
Com conjuntos mais chegados fazia reuniões, e por intercepções sucessivas, achava os elementos comuns, que depois, com ela, passavam noites e noites em escandalosas aventuras matemáticas.
O logaritmo enlouquecia com as brincadeiras da sua apaixonada.
Ela, amuada, virava-lhe costas, e o biquinho que tanto o exponenciava, voltava-o para a direita, deixando o seu pretendente, a contemplar a concavidade vazia do seu corpo.
Pensou mesmo em suicidar-se, mudar de base, renunciar a tabelas, atirar-se para debaixo de um comboio carregado de funções inversas.
E assim se foram afastando em incompatibilidades profundas.
Ele recolhido em estudos avançados, estrela de congressos variados, frequentando mestrados, investigando novas teorias, perdendo as alegrias, ganhando alergias à teoria dos conjuntos desadequados.
Ela, em brincadeiras depravadas, sucessivas, com amigos mais ousados, fazia operações perversas, com raciocínios complicados, até ao dia em que um conjunto vazio lhe apareceu no resultado.
Aí, a chaveta desfez-se em lágrimas, perdeu a graça, envelheceu em processo complexo, ficou como um parêntese desconexo, sem aquele apêndice adjacente que organicamente a fizera tão atraente.
Numa noite desesperada, sentou-se a ver TV.
De Oslo, já madrugada, ele ali estava perfeito, em directo, com ar algo circunspecto, o seu logaritmo perdido, de Nobel agora nas mãos.
Em discurso emotivo, apresenta teorema, em rima, como um poema, defendendo, inovador, o
princípio do amor, nos conjuntos infinitos.



NOTA: Desafio lançado pelo Clube de Matemática ao qual respondi com um gosto muito especial atendendo à minha formação mais virada para as ciências do que para as letras. Neste exercício mensal, pretendo, de alguma forma, ''casar'' a Matemática com a Poesia... vamos ver no que dá...

16.10.11

Barcelona

passei hoje por Barcelona
para te desencontrar
e deixar o teu perfume
pousar na tela de cinema
onde Vicky beija Maria Elena
e Javier se enleia
nas tuas mãos que neste filme
foram minhas
passei hoje por Barcelona
e estava frio
como se fosses o outono a chegar
à minha vida
a primavera do inverno
ou o inferno
onde o meu corpo passará a existir
procurei Dali
encontrei Gaudi
ressuscitado
enamorado de ti
passei hoje por Barcelona
com destino consumado
para te libertar
das palavras que já não consegues dizer
passei hoje por Barcelona
para de ti
finalmente me perder

nota: escrito depois de ver o filme Vicky, Cristina, Barcelona de Woody Allen

10.10.11

temporariamente



temporariamente
a brisa entrou pela janela do meu quarto
soprou os papéis que tinha na alma
baralhando a ordem e o tempo da vida
temporariamente
a casa encheu-se de imagens tridimensionais
com eixos quase reais
que trouxeram cheiros, medos e ruídos
temporariamente
ponho a mesa
e encho os copos com sumo de laranja
sem ninguém para o beber
temporariamente
engano vontades com sonhos impossíveis
abro e fecho portas como se houvesse gente a passar
sorrio com palavras que ecoam pela casa
sem bocas para as dizer
temporariamente
acendo incensos que nem chegam a arder
imagino perfumes exóticos
ainda não inventados, com as cinzas a gemer
temporariamente
conto uma história para te adormecer
num quarto que nem sequer existe
numa cadeira que balança
no cabo que atravessa a minha memória
eu, equilibrista, sem rede onde cair
temporariamente
invento princesas e dragões
invento noites com as horas todas de luz
invento passos de pés muito belos
invento flores
invento cores
invento gargalhadas enfeitiçadas
por bruxas que se fingem apaixonadas
temporariamente
invento-me aí
aqui

madrugada



cheiros de piano que toca sozinho
com teclas dormindo um sono divino
as cordas de mel de um violino
gemidos suaves pingando o destino
a luz dos teus dedos mostrando o caminho
sorrisos que escorrem em som cristalino
palavras que escreves com um só olhar
e a lua sem brilho, num céu a esperar
a rua vazia por ser madrugada
a casa cinzenta, desapaixonada
teu corpo dançando em palco de fogo
teus pés apagando sinais da estrada
as mãos vão tremendo em terríveis danças
por eu lhes trazer as tuas lembranças
o frio pousado na cama deserta
e a alma voando para parte incerta

de olhos fechados para não ver nada
aguardo inquieto a tua chegada

(versão polaca)

7.10.11

As contas todas


Fizeram-se as contas todas!
Multiplicaram-se amores, somaram-se as flores sobrantes da primavera e
queimaram-se folhagens, bastantes, dos outonos delirantes que enganavam invernos adormecidos,
quase perdidos, a contar os longos meses de Dezembro.
Depois, afagou-se o coração, para apagar os frios, com café cheio de beijos mascavados, doces
pecados, resultados de complicadas operações de divisão.
Subtraíram-se suavemente as nuvens que escondiam a lua com cortinas grandes, densas, tricotadas em algodão, e assim, a operação, ficou completamente clara, iluminada, certa, perfeita, isenta
de prova real, com céu limpo a confirmar o resultado final.
Fizeram-se as contas todas, naquela escola.
Ao fim do dia, a poesia meteu os lápis e cadernos na sacola e saiu.
Nunca mais ninguém a viu. Consta que por ousadia, foi estudar algoritmia,no Egipto, na universidade de Alexandria… 


NOTA: Desafio lançado pelo Clube de Matemática ao qual respondi com um gosto muito especial atendendo à minha formação mais virada para as ciências do que para as letras. Neste exercício mensal, pretendo, de alguma forma, ''casar'' a Matemática com a Poesia... vamos ver no que dá...

Poemática



E a matemática pediu namoro à poesia, mostrando-lhe todas as suas qualidades que passavam por sinais aritméticos de riqueza, campos cheios de raízes quadradas e um coração infinito, onde cabiam todos os números perfeitos, como convém a quem se quer apaixonar.
Ela, a poesia, achou-lhe graça.
Encontrou-lhe alguma métrica e deixou-se deslizar em hipérboles que sendo linguísticas a levaram a exageros que nem o teorema de Pitágoras conseguira resolver.
As incógnitas desta relação eram muitas, atendendo às suas personalidades ímpares, com números primos à mistura.
Foram vivendo numa matriz de entendimento construída por rimas pouco lógicas e amores em fracções de denominador comum que sustentavam médias de paixão numa POEMÁTICA difícil de teorizar…


NOTA: Desafio lançado pelo Clube de Matemática ao qual respondi com um gosto muito especial atendendo à minha formação mais virada para as ciências do que para as letras. Neste exercício mensal, pretendo, de alguma forma, ''casar'' a Matemática com a Poesia... vamos ver no que dá...

5.10.11

outonos vários


voos amortecidos
pepitas de ouro morrendo de amores
folhas multicolores
que se desprendem com beijos de vento
conquistadores
cobrindo caminhos de outonos vários

bancos envelhecidos
deixando apodrecer amarelos antigos
castanhos internos perdidos
inocentes
doentes
alheios
às crianças de olhos cheios
de vida, de brilho, de azuis diferentes
em bicicletas displicentes
que em circulação preguiçosa
me entretêm a alma mentirosa
disfarçadamente plantando  sorrisos
num jardim de gente
e numa tarde estendida

ao sol, ainda quente

29.9.11

Nida

entre mares
existem dois ventos
e dois pensamentos pousados
nos telhados
inclinados
tremendo com dois medos de cair
entre mares
as gaivotas andam perdidas
e os olhos em despedidas
adiam vontades de as ver
dunas a crescer
engolem os dedos
como se fossem segredos
obrigados a morrer
entre mares
os cheiros entrelaçam-se
em indefinições
e os corações
acham o norte no relógio que perdeu o sol
naquela noite de tempestade
sem idade
fiquei entre dois mares
umas vezes caminhando
outras vezes disperso, sonhando
olhando dois horizontes
sentindo nos pés
a areia a abismar
na pele, as ondas frias do aguar
e ao longe, repetida
uma canção de Euterpe
doce, suave, a embalar
aqueles dois mares
de Nida

(versão polaca)

28.9.11

o brilho do teu olhar

- sabes, tenho um mundo pequeno
que cabe na minha mão
podes senti-lo por certo
enchendo a solidão
- sinto-o em rotação…
- tem dias de duas horas
onde os sonhos muito grandes
entram quase heroicamente
na minha vida real
- no teu mundo, tu tens noite?
- tenho, sempre que quiser
umas vezes uns minutos
outras porque as estrelas
não param de conversar
a noite tem horas, todas
que o dia tem pr’a lhe dar
- parece de encantamento
ou história de ninar
- fecha os olhos dois segundos
e deixa o mundo chegar
quero que sejas a lua
que ele usa pr’a girar
e assim sem perceberes
completas universo
e eu fico submerso
no brilho do teu luar

21.9.11

miúda de vermelho


encontrei atrevido
cheiro de chupa-chupa de morango

vermelho escorrido
sofregamente lambido
vapor de saliva adocicada
fluído que me invade a mente
e se escoa distraidamente
nos meus passos que se retardam
ao vê-la
sentada
infantilmente apalermada
com lábios de um vermelho bandido
que nos assalta o olhar

miúda de mini saia
provocação abundante
língua brincando com chupa-chupa de morango
trechos de fandango
provocante
blusa esvoaçante
com um vermelho destemido
revolucionário
revolucionando a avenida
até ali, esquecida
sem chupa-chupas de morango
entrando, saindo, numa boca de menina erotizada

15.9.11

combinações



combinamos ser complementos, cúmplices, companheiros
talvez amantes
eu , a gaveta onde te guardas
dos pássaros que te levam os sentidos
tu, a flor dum exupéry
alegrando o planeta
dum princípe adiado...

combinamos utopias
como se fosses mesmo minha
como se a cama de manhã
estivesse quente do teu corpo
inexistente
e a tua voz eu encontrasse
enfeitando o silêncio
das torradas esquecidas na cozinha...

combinamos SMS‘s em código morse
batidas de coração
e fumos de incenso enviados às escondidas
da sala de estar
onde as bonecas sentadas na vitrina
cobiçam, já sem olhos, o teu olhar...

combinamos dedos
passando pelo sorriso da tua fotografia
captada no preto e branco da madrugada
película, pele, perfumada...

os teus versos em combinações de mágoa
os meus, comendo a saudade arrancada
das palavras que me deste
como se fossemos complementos, cúmplices, companheiros
talvez amantes
que se encontraram por instantes
nos beijos que deixaste perdidos nos meus lábios

pedaço de tempo
que repousa eternamente
no luto que me enegrece a boca
lápide de silêncios
gestos de amor por dizer:
“2011-2011
aqui jazem beijos
jovens
mortos por desejos
mesmo antes de nascer“

14.9.11

despido por um outono



- boa noite
- boa noite
- linda lua…
- talvez se a noite não fosse
uma noite assim tão nua
- nua? os meus olhos não enxergam
a nudez que te apoquenta
- porque não tens o teu peito
despido por um outono
que me parecia perfeito
- o inverno se aproxima…
- o inverno não me encontra
morro aos pedaços, de frio
fico-me só por um fio
do lado de cá da vida
- é uma batalha perdida?
ou é só um doentio
ataque de solidão?
- talvez seja coração
ou ausência de ternura
doença que não tem cura
apanhada com um beijo
numa noite onde ela
me vestiu, sua loucura

8.9.11

palavras escritas na janela


enquanto a terra não tremer
deixo as flores crescerem no meu quarto
e a chávena de chá esperando pelo momento
da tua mão a açucarar
deixo palavras escritas na janela
escorrendo embaciadas pelo frio
que o sopro derradeiro dos meus lábios
consegue desenhar
vejo, ainda que tenuemente
a sombra do teu corpo a chegar
deslizando pela luz
que me vem buscar
vejo, não sei se sabes
os meus pecados a passar
trazem imagens, cheiros, sabores
de coisas tuas
tão belas, agora estranhas, tão nuas
perdidas nos tempos contados
em calendários com dias escritos a bolor
deixo a dor
enterrada na cama
coberta com lençol branco
ouvindo ao longe, o pranto
dos pássaros de fogo acabados de pousar
enquanto a terra não tremer
as crianças correm no jardim
esperando ainda por mim
com bolas de sabão penduradas nos dedos
e sem medos
esperam pelo ruído calado da morte
a rebentar

29.8.11

metades



metade da lua
metade do sol
metade da vida
metade do mal
metade da sorte
metade do sal
metade de açúcar
em amor carnal
metade de um livro
e a sombra da cal
metade da carta
extraconjugal
trazendo um adeus
antinatural

metade sorrindo
metade sofrendo
com ar estupendo
sem dar um sinal
metade caindo
em buraco negro
dum bolso pequeno
com fundo abissal
metade partindo
metade chegando
metade mentindo
com ar natural
metade jogando
com olhos fechados
metade escrevendo
poemas falhados
metade arrasando
barreiras sem conta
metade engolindo
animais de monta
metade morrendo
metade restando
todos esperando
decisão final

20.8.11

proporcionalmente à saudade


proporcionalmente à saudade
a distância cresce
deixando-nos perdidos num oceano metálico
onde as lágrimas caem
como rufar de saltos
em passos de mulher

proporcionalmente à saudade
o meu corpo se esquece
de sentir o sol
permanece na sombra dos teus dedos
que desenham na parede branca da alma
pássaros de fogo difíceis de apagar

navegando
proporcionalmente à saudade
deixo o teu vento levar-me
deixo o teu perfume matar-me
mesmo que seja por um tempo
pequeno
que vem contar-me
onde provavelmente estarás…

28.7.11

APRESENTAÇÕES DO LIVRO: ''por eu me lembrar de ti''


BRAGA

dia: 5 de Agosto, 21h 30m
local: Capítulos Soltos
Rua de Santo André, 93
telef: 253 268 308
apresentação: Paulo Themudo
participação espedial: Ângelo Vaz e Hugo Moura Vieira

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VILA DO CONDE

dia: 6 de Agosto, 21h 30m
local: Circulo Católico de Operários
Av. Dr. João Canavarro, 35
telef: 252 632 465
apresentação: Dr. Francisco Mesquita
participação espedial: Ângelo Vaz e Hugo Moura Vieira

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PORTO

dia: 13 de Agosto, 22 h
local: Clube Litarário do Porto - Porto
Rua Nova da Anfândega, 22
telef: 222 089 228
apresentação: Prof. Pedro Baptista
participação espedial: Ângelo Vaz e Hugo Moura Vieira

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LISBOA

dia: 18 de Agosto, 18 h
local: Sociedade de Língua Portuguesa
Rua Mouzinho da Silveira, 23
telef: 213 573 204
apresentação: Prof. Delmar Maia Gonçalves e Doutor Renato Epifânio
participação espedial: Vera Novo Fornelos, Teresa Maria Queiróz e Ângelo Vaz


EDIÇÃO: Corpos Editora (World Art Friends)

27.7.11

Матрешка (Matrioshka)


a solidão
deixou-se riscar por giz de luz
trazidos pelos céus
em noite de tempestade
e agitou-se com a tormenta
estremecendo ao imaginar-se
tendo companhia

traços de mulher
(iluminados por relâmpagos
numa janela teórica da vida)
em ousadia

a solidão momentaneamente sentiu-se cheia -
uma lua
enterrada na intempérie
sentiu-se estranha -
uma criança
amedrontada pelos monstros
que lhe mordiam o sossego
com ruído

olhos de mulher
(iluminados por relâmpagos
numa janela teórica da vida)
em fantasia

a solidão refugiou-se
dentro da solidão
que tinha dentro de si
escondida
uma solidão pequenina

Матрешка*
(iluminada por relâmpagos
numa janela teórica) da vida
vazia


* Матрешка - Matrioshka

25.7.11

se a chuva de ontem não voltar


sabes, acho que prefiro a solidão
prefiro perceber todos os ruídos
que roem as coisas paradas da casa
prefiro ver o pó que se acumula
por detrás das portas
e os livros espalhados por estantes velhas
numa desordem que não me incomoda
numa desordem que ordenadamente conheço
prefiro ver as borboletas da noite
suicidando-se queimadas contra a luz do candeeiro solitário
que resta na minha rua adormecida
prefiro os sussurrares eléctricos do frigorifico
em orgasmos cúbicos de gelo
que bebo derretido na Coca-Cola
sempre que o calor me consome
a meio da noite
a meio do sonho
prefiro o silêncio que me alimenta a loucura
e me deixa os ouvidos vazios de palavras
prefiro adormecer quando me apetece
estender-me atravessado na cama
e na vida
trocando-lhe os sentidos
enganando-a com o relógio que desconta o tempo

se a chuva de ontem não voltar
acho que prefiro a solidão para ficar a morar

aquela dança


aquela dança
aquela única dança
foi o lento despir do amor que o vestia
aquela dança
aquela última dança
onde o tempo se tornou equação
de matemática infinita
onde os dois corpos
pintados de escuridão
deslizaram esmagando a alma
desprotegida
recolhida
num canto pejado de multidão
aquela última dança
que o deixou sozinho
com um sorriso disfarçado
e uma lágrima furtiva
escorrendo no passado

e a música
morria devagar
completamente destroçada
por aquela última dança
violentamente roubada

conta-me uma história...


- conta-me mais uma história
conta-me por favor
fala-me de coisas lindas
fala-me talvez de amor
ou da lua que adormece
nos braços de um céu maior
- tenho uma história escondida
que tu conheces de cor
vive em mim, quase perdida
chama-me às vezes querida
outras vezes de flor
- outras, ouvi murmurar
que tu eras princesa
de um reino feito a fingir
imaginado por mim
quando estou a transgredir
as normas da sanidade...
- e eu? deixo-me enlouquecer...
fecho os olhos da idade
sinto a alma a morder
os desejos de te ter
de ser esta noite a lua
e em ti adormecer
fazendo-me história tua

21.7.11

beijos-caramelo



às vezes o virtual visita-me
chega tentador, em corpo de mulher
e instala-se na minha pele
com um sorriso lindo
faz-me cócegas com as palavras que me diz
passeia os dedos que me parecem reais
pelo cabelo
para depois me roubar tesouros
que tenho escondidos nos olhos
apontando-me ao peito
a arma mortífera da saudade

fica por aqui
e deixa-me gastar tempo real com ela
falando de coisas pequenas sem importância
e, às vezes
da importância das pequenas coisas
que concluímos serem quase sempre virtuais

hoje trouxe também beijos com sabor a caramelo
que repeti à colherada
gulosamente
derretendo-os na boca
fundindo-os depois nos sonhos
que adoçarão as minhas horas de dormir

às vezes o virtual visita-me
em corpo de mulher
sorriso lindo
e beijos com sabor a caramelo
fica por aqui, por pouco tempo
como a Cinderela
sai antes da meia-noite, a correr
e eu deixo-me morrer
de volta ao mundo das pequenas coisas
de volta ao mundo real
das coisas
muito, muito pequenas

19.7.11

flores impossíveis




existem flores impossíveis
que são obviamente oferecidas
em amores, também impossíveis
girassóis ou malmequeres
rosas, tulipas ou margaridas
convenientemente amarelas
significativamente desesperadas
desesperançadas
apaixonadas
mas recusadas
permanecendo em descanso eterno
numa jarra desequilibrada
duma mesa negra, milimetricamente centrada
numa sala que permanece vazia

as flores impossíveis
às vezes chamadas de platónicas
(vá lá saber-se porquê)
giram tontas em torno do sol
amaldiçoando Diotima de Mantinea
e esperando pelo dia
que possam fenecer em paz
pétala após pétala
tombando em amarelo cada vez mais desmaiado

os amores impossíveis
desafortunados
morrem também aos bocados

11.7.11

vento


o vento parou
deixando de falar nos teus cabelos
e no jardim, acumuladas às dezenas
folhas de poemas
repousam sem poder voar
desejos teus pousados nos meus
proibidos de se abraçar

à beira rio, o vento parou
e o teu perfume encheu o ar
suspenso na inexistência de uma evaporação

parada, perdurou por tempo pequeno, a minha mão
fazendo amor na tua
com dedos entrelaçados
apertados
como se o mundo estivesse a um segundo de acabar
como se a ponte branca fosse desabar
no teu sorriso tão difícil de abandonar

o vento parou
e as últimas palavras que disseste
junto ao rio que corria devagar
adormeceram comigo
nas margens do meu ouvido
esperando por maré
que as possa acordar

3.7.11

emprestas-me então um sorriso?


- emprestas-me então um sorriso?
por tempo ilimitado?
prometo que não estrago
devolvo todo, inteiro
quando este nevoeiro
se cansar de ter-me a mim
- estranho pedido o teu
porque me pedes tu isso?
acabo de acordar
dum pesadelo lançado
por um deus que é menor
que em vez de um sorriso
deixou-me nos lábios um grito
e nos olhos traços negros
que copiados ou ditos
por certo farão chorar
- preciso só dum sorriso
para enfeitar minha face
carregada por rugas d’ alma
que deixou de ter as cócegas
que me largavam nos olhos
o brilho do meu sentir
emprestas-me então um sorriso?
daqueles que deixas fugir
quando te vejo sonhar?
- vou tentar adormecer
viajar nas utopias
que quando estou acordado
as mato, por já não as querer
flores de perfume falso
luas que falam comigo
corpos a envelhecer
princesas que estão sem abrigo
amores por acontecer
lá vou encontrar um sorriso
lindo mas esquecido
por um desgosto qualquer
e em vez de te emprestar
trago-o preso nos dedos
porque to quero oferecer

utopias


uma após outra
colecciono utopias
selos, moedas, porta-chaves
e pacotes de açúcar
de onde pacientemente retiro
o conteúdo
deixando utopias vazias
imagens de cidades, peixes, caravelas
sonhos, desejos e amores
impossíveis
embalagens desprovidas
de vontades de adoçar

estou sentado


escolhi uma música triste
e sentei-me
pus em mim uma roupa triste, negra
e sentei-me
deixei entrar as minhas memórias de ti
e sentei-me
esperei, cinzento
por um milagre
que mudasse a cor do meu dia
e sentado
a alma foi escurecendo aos poucos
pela música triste que escolhi
pela roupa triste que vesti
pelas memórias de ti
que descuidadamente
deixei entrar dentro de mim
a alma escurecendo aos poucos
engoliu o teu sorriso
que teimava em espreitar
nos meus olhos escuros
eles, sentados
esperavam cansados pelos teus
olhos claros
esperançados
em mudar a cor sombria
sentada no meu dia

2.7.11

namoro



- porque não dormes?

- porque namoro a lua
e talvez o sono se ausente
sentindo a falta tua
- descansa, eu estou aqui
e mesmo que não me vejas
fui eu que deixei a lua
pousada à tua janela
com um sorriso despido
em iluminada cratera
- em luar, tenho os teus braços
que me envolvem agora
dois desabotoados astros
enchem os meus sentidos
em exercícios perdidos
que entontecem desejos
são os teus seios sonhados
que me chegam em bocejos
vontades de muitos beijos
vem lua, vem pousa em mim
deixa-te transbordar
como se estivesses bem cheia
- descansa, que chego já
o sol está quase a acordar
entrego-lhe a chave do céu
apanho uma curta boleia
e deslizo no seu despertar

24.6.11

beija-flor





- porque me olha assim?
- por causa desse jardim
que tem dentro do peito
- nota-se muito?
- só reparei porque sou um beija-flor
- voa então?
- quando não está vento forte
e em dia, o passaporte
para passar a fronteira
- asneira, amiga minha, asneira
ave já não usa isso
ave é livre
não tem qualquer compromisso
com país ou com bandeira
voa ao sabor do momento
levada por pensamento
caso seja sonhadora
- engana-se caro senhor
eu sou um beija-flor
com salvo-conduto acabado
e cérebro apequenado
onde já não cabe o sonho
reparei no seu jardim
pelo perfume no ar
e desejei ser uma flor
que aprendesse a beijar