2.4.10

beijos no deserto


foto: Caudia F (www.olhares.com)


sente os beijos espalhados
que te cobrem tresmalhados
a pele sedenta de amor
imagina-te em deserto
sem água qualquer por perto
regado por meu calor

com vento forte a soprar
sente areia em nevoeiro
que te cobre o corpo inteiro
com grãos quentes a brilhar
imagina que sãos meus
dedos que se perdem nos teus
e percorrem a pele lisa
refrescada pela brisa
dos beijos alucinados
que vão morrendo cansados
nos prazeres que tu concedes
um a um, bem arrumados
em lábios que tu ofereces

30.3.10

a mais linda do mundo

foto: Fátima Condeço (www.olhares.com)

a menina mais linda do Mundo,
chegou singela
parou à minha janela
e sorriu
não disse nada
trouxe uma rosa encarnada
arcaicamente embrulhada
no poema que escrevo
agora
deu-ma, deu-me, deu-se
depois, partiu
foi embora
dizendo que chegara a hora
de ser mulher
me deixar menino
com um destino
que tento perceber sozinho
e escolher
destemido, sem escolta
esperando poder ter
a mulher mais linda do Mundo
um dia, para mim
de volta

29.3.10

gostava de saber dizer

gostava de saber dizer, amo-te
mas não sei com quem aprender
acho que quem diz saber dizer
não sabe o que diz, inventa
diz amo-te simplesmente por dizer
ouviu as palavras em filme de terceira
como se tudo o que lá dizem
(incluindo, amo-te)
fosse verdade, não fosse aprendido em papéis
escritos por guionistas, ao amor infiéis
como se fosse dito sem ler, sem imitar
sem ponto de teatro, sem soletrar
com uma lágrima em alegria a confirmar

se fosse um amo-te, dito com um olhar
se fosse um amo-te, dito com um tocar
se fosse um amo-te, dito com um beijar
eu acreditava
mesmo não havendo ninguém para abraçar.
mas tão distante, eu não te consigo olhar
porque sozinho eu não te consigo tocar
e o destino levou-me os beijos
deixou-me o corpo sem desejos
e liquidou de vez o verbo amar

gostava tanto, mesmo tanto
de saber dizer
amo-te


27.3.10

boca cheia de credos


passei ontem por teus olhos
e quis guardá-los p’ra mim
tê-los quando já sem luz
possam iluminar os meus medos
com um brilho que seduz
fazendo contar segredos
encerrados em azedos
de boca cheia de credos
rezados em contraluz

são velas que se derretem
os teus olhos, quando choram
gotas de cera que enrolam
os receios que me assolam
quando à noite sinto frio

passando pelos teus olhos
pousados no teu sorriso
quis guardá-los para mim
fitá-los entre os escolhos
dum oceano de lava
que ontem à noite passava
e me engolia a memória
sem escrúpulo, sem aviso

21.3.10

o sonho da cegonha




eu? não sei se continuo em inverno
se me fundo no degelo
que em água vai correndo
para as sarjetas da vida

eu? não sei se vale a pena
encontrar nova estacão
que por descobrir calendário
aberto e de feição
vai entrando devagar
com temperatura fingida
pintando com novas cores
a rua cinzenta e confusa
que se estende, adormecida

eu? sonhei com a cegonha
que enfeitou o meu ser
e convenceu-me, a dormir
que teria de partir
de um inverno comprido
que me faz bicho despido
sem vontade de sorrir

eu? por estações enganado
e por suores alagado
em calores de imaginação
acordei destemperado
vi que o pássaro encantado
foi mais uma simples visão

cegonha branca

foto: Manuel Revés (www.olhares.com)

segui uma cegonha branca
deixando minha alma sonhar
vinda de terra distante
numa procura constante
numa ânsia de pousar

segui com os olhos perdidos
num céu que me parecia mar
as rotas do teu caminho
as minhas escolhas, sozinho
as belezas do teu voar

com minhas asas fugidas
sem penas para contar
em terras já ressequidas
deixei tristezas caídas
que tu vens, cegonha, alegrar