30.12.11

se eu pudesse


se eu pudesse, não decorava este tempo
com papéis cheios de cor
e laços enormes escorrendo hipocrisia
se eu pudesse, roubava o natal do calendário
e todos os dias Cristo nasceria
sem ninguém saber
do ventre de uma Maria
se eu pudesse, decretava abraços como prendas
e os doces eram beijos enfeitados de canela
se eu pudesse, os três reis eram de areia
que se apagavam em tempestades
manipuladas por dedos de crianças
habituadas aos castelos duma qualquer utopia
e a estrela de Belém perdia o norte, e com sorte
caía desfeita como neve fictícia, made in China
comprada por um euro, na Rua da Alegria
se eu pudesse as renas deixavam de voar
e ao luar
ficavam em terra a ler histórias para adormecer
se eu pudesse, como protesto, não sorria
como protesto, abolorecia, como a aletria
esquecida sobre a mesa desde o ano passado

Ahhh se eu pudesse, agora, morria…

27.12.11

perfume do teu Natal



trago comigo os teus sonhos
trago os risos
os avisos
trago linhas
dos teus versos
trago o beijo enfeitiçado
pendurado nos meus lábios
trago as palavras que dizes
quando partes apressada
antes do anoitecer
ou perto da madrugada
trago o verde dos teus olhos
trago os teus heróis errantes
e os pequenos instantes
que te tive nos meus braços
trago também a estrela
que adormeceu sob a lua
encantada história tua
que me deixou toda a noite
olhando o céu da janela
trago os flocos de neve
que apanhaste com a língua
trago o tudo e trago o nada
trago o gosto do teu chá
em tarde enregelada
trago-te em muitos pedaços
trago as marcas, trago os traços
aquele desejo infernal
que deixa a pele assustada
trago o cheiro a tangerina
perfume do teu Natal
que liberto dos meus dedos
e dança nos meus segredos
em bicos, qual bailarina

progressão de Natal



mês 12, mês de dezembro, penso que ainda me lembro 
ser 2011, o ano, e 25, o dia, que de Roma a Pavia 
dizemos ser de Natal 
é 
um número especial - 12.201.125 
doze milhões, duzentos e um mil 
cento e vinte cinco 
e brinco 
e matutando 
matematicamente falando 
acho que algo inventei. 

recordo hoje o “pi” (π ≈ 3,14159265358979323846...) 
que serviu de álibi 
para uma relação curiosa 
de uma circunferência famosa. 
agora o meu “natal” 
(não me levem muito a mal): 
uma sequência crescente 
limitada inferiormente 
de um modo natural 

ganhou vida, a sequência 
achou-se bem diferente 
e com um ar sorridente 
assumiu-se progressão. 
diziam-lhe as invejosas 
que não, que não era progressão 
que não a tinha 
(a razão) 
e que por definição 
teria de a possuir 
era uma coisa inventada 
em perversa madrugada 
por um poeta a fingir. 

condenada! sem razão! 
ordem dada à progressão! 

razão 100 (r = 100) 
respondo eu, defendendo a donzela 
ou seja a minha invenção 
(12.201.125, 12.201.225, 12.201.325, 12.201.425, …) 
e usando a poemática 
defino o termo geral 
(an = an-1 + r = a1 + (n – 1) r 
deixando a progressão 
com um ar angelical 
a cintilar à janela

NOTA: Desafio lançado pelo Clube de Matemática ao qual respondi com um gosto muito especial atendendo à minha formação mais virada para as ciências do que para as letras. Neste exercício mensal, pretendo, de alguma forma, ''casar'' a Matemática com a Poesia... vamos ver no que dá...

22.12.11

os teus dedos

- dá-me por favor os teus dedos
quero saber os segredos
que te vão no coração.
- tenho segredos e medos
tenho feridas que doem
à noite elas me comem
quando as saudades me moem
por dentro, “bicho papão”.
- sinto os dedos com histórias
daquelas em que as memórias
se perdem na solidão
sinto linhas de sentidos
heróis de criança, perdidos
nos livros de ficção.
- quero que não  descubras
o destino dos meus dedos
eles constroem enredos
em teatro de  carícias
no teu corpo que é só meu
quero que eles perdurem
que eles assim permaneçam
contando o sopro do tempo
que neva no cabelo teu

14.12.11

hoje não amanheceu em Vilnius



hoje não amanheceu em Vilnius
o dia escondeu-se numa noite
que foi enchendo a casa devagar
não se levantou
alegou
que tu não tinhas vindo
cobriu-se de nevoeiro
e pintou o céu de negro
transferindo o sol
provisoriamente
para outra constelação
a solidão
aqui ficou
na companhia de uma escuridão
que a tua ausência
foi entornando pelas horas
contadas pelos dedos
não suficientes
por ser tanto o tempo de negruras
que se plantaram nas ruas
onde desesperadamente
se perdeu a minha alma

depois da luz da lua
ontem espreitando
por entre as lágrimas de chuva
que caíram sobre a cidade
hoje, não amanheceu em Vilnius
e mesmo ela, a lua, não era de verdade
de papel, voou
quando o teu último sorriso
me soprou
e um frio enorme me lançou
nesta tristeza que me invade

11.12.11

um Natal que é o meu




desembrulhei uma estrela
oportunidade encontrada
na loja que abriu no céu
tinha uma cor encarnada
cor de sangue
angustiada
a terra mortificada
cor dum Natal que é o meu
era uma estrela adiada
luz vermelha derramada
no mundo que foi de Diana
de Afrodite e de Zeus

uma estrela
quase humana
vinda da loja do céu
chegou
e pereceu sobre os homens
foi o último sinal
de Deus

7.12.11

fio



"A Chinese proverb says an invisible red thread connects those destined to meet, despite the time, the place, despite the circumstances. The thread can be tightened or tangle, but never be broken."



e um só pássaro de fogo voava
um só fio vermelho transparente
no bico
flutuava
era o desenrolar da minha alma
que em novelo
vivia, ao lado do coração
linha de sangue
indelével
esvoaçante
ondulante, no vento que não tem norte
mas com sorte
tem tempo, como o mar
em imensidão

um só pássaro de fogo
voava
um só fio vermelho
flutuava
inquebrável
e, inevitável
(reparei)
na outra ponta
estava a tua mão...

1.12.11

pedaços de inverno

pedaços de inverno
despegam-se dos céus
e das faces das pessoas
e das casas que enregelam
e dos dedos que se gretam
e dos corpos que se cobrem
e das mentes que congelam
e dos mares que se revoltam
e dos lagos que hibernam
e das árvores que agora choram
mil e uma folhas caducas
que alagam de velhices
os caminhos que percorro
pássaros mortos nos passeios
com sorrisos frios nos lábios
e cantos abafados
pousados
nas pautas do cimento
pouco antes de morrer
pedaços de inverno
despegam-se em Dezembro
escorregam
pelo fio dos dias
navalhas emaranhadas
que fazem o tempo esquecer
as faces
e as casas
e os dedos
e os corpos
e as mentes
e os mares
e os lagos
e as árvores
que ficam com os braços a doer

pedaços
traços
regaços
abraços
cansaços
de inverno
que me levam, ao entardecer