28.4.12

urgência de ti



tenho urgência de lua cheia
e de céus onde as estrelas
façam estradas de luz
tenho urgência de chuva morna
que me liberte dos frios
e me traga um abraço
de água doce ou salgada
que tempere os medos meus
urgências coleccionáveis
nos bolsos de uma alma
que de noite se liberta
dum corpo adormecido
nos braços sonhados teus
tenho urgências nas saudades
e nos tempos encostados
em infinitos de esperas
tenho feras, tenho tralhas
tenho alguns passos perdidos
tenho noites apagadas
e os olhos sempre abertos
alcançando os desertos
das ausências momentâneas
tenho urgências já sem hora
tenho caixas de Pandora
em cada um dos sentidos
que se encontram perdidos
nos textos que escrevi
tenho tremuras nos dedos
enquanto rezo os credos
por ter urgência de ti

26.4.12

o Neris, um café e tu

o Neris, um café e tu
bebi o Neris, beijei o café
e deixei-te transbordar
nas margens de mim
numa enchente de desejos de inverno
derretidos no espreitar da primavera
o Neris, um café, e tu
beijei o Neris, transbordou o café
e bebi dos teus lábios
as saudades que esprememos
dos frutos que colhemos
em tempos de tanta espera
o Neris, um café e tu
bebi o café e com o Neris a transbordar
beijei-te naquele nosso luar
como se fosse a primeira vez
o café, escorrendo
na pacatez das gargantas
o Neris, a correr numa mudez
de águas escuras, prolongamento da noite
que embelezou nossos passos
e deixou os teus abraços
a navegar em mim
tu
o Neris
e um simples café
encheram de amor, a minha noite

nota: Neris é o rio que passa em Vilnius e avisto da minha janela

25.4.12

Alice

Alice apareceu por aqui
Lewis Carroll ligou
e disse que Alice abandonou
as histórias de encantar
deixou o coelho branco a chorar
e partiu para parte incerta
mal sabia ele que era certa
a parte onde ela encoberta
chegou
bebemos chá de loucos
em dia de não aniversário
e Alice trouxe um diário
que lemos fumando o cachimbo
da Caterpillar, a lagarta
que farta (disse-me Alice)
escreveu uma carta
renunciando ao país das maravilhas

Cheshire cat aparecia em páginas pares
e sorria
e desaparecia
depois surgia, nas ímpares
provocando a ira de Alice
que convulsivamente chorou um mar de lágrimas
onde quase me afoguei
e por um triz quase perdia
o mundo de magia
que me desgarra da solidão

fui salvo de repente pela tua mão
aquela que me trouxe Alice
aquela que por doidice
desejo agarrar durante as noites
pintadas de alcatrão

22.4.12

a irracionalidade das coisas


às vezes é assim… esperamos toda a noite pelas gotas de sol que nos
molhem os olhos incapazes de fechar. depois adormecemos
lentamente, aguardando que ela, a noite, nos venha com o escuro,
acordar. sono irracional. aconchegado pelo calor do sol e pela
ausência do negro, quando a irracionalidade das coisas toma conta de
 nós. brinca com o mais ínfimo neurónio do nosso ser e conta-nos as
coisas indescritíveis da vida. aquelas em que por tão irracionais que
 são, aparecem somente desenhadas no surrealismo de telas de
 museu ou nas paredes do manicómio, cuspidas por delírios de loucos
 que se julgam Deus.

a irracionalidade das coisas é bela…
não sei de repararam nas conversas das borboletas ao luar…

a irracionalidade das coisas é tão bela…
não sei se repararam nos sorrisos das crianças, a chorar…

a irracionalidade das coisas é estupidamente bela…
não sei se repararam que o amor se esconde nos bolos de chocolate
 e de canela…

a irracionalidade das coisas é irracionalmente bela…
não sei se repararam nos números irrequietos que deslizam
 nas diagonais dos quadrados…
que irracionalidade, que loucura! escorregam em brincadeiras
 perigosas, deixando um rasto de casas decimais infinitas. usam raízes
 quadradas… como se as raízes pudessem ser quadradas… como se
fosse possível as árvores terem assim as raízes. quadradas, enterradas
 numa irracional terra cúbica rodando em torno de um irracional
paralelepípedo brilhante, o sol. estes números são completamente
 insanos. estes números são completamente irracionais. de uma
 irracionalidade tal que me deixa numa delirante escrita matemática à
procura de Fídias, Fibonacci, da razão sagrada, do número de Deus,
do divino número de ouro que me permita ficar para sempre do lado
 desta irracionalidade bela das coisas… 

(http://www.clube.spm.pt/arquivo/1126/)

19.4.12

a dor

a dor acorda sempre
cinco minutos depois de mim
e vai triturando pedaços de carne
com dentes incisivos
que me rasgam em bocados
a vontade de viver
por horas, por dias, por meses
ardem a pele e a alma
incendeiam-se as veias
e lavas de fogo
são sangue que corre em mim, a fervilhar
a dor alimenta-se devagar
na circulação que me apetece logo terminar
caminha estrondosamente em mim
rouba-me passos
deita-me violentamente
e viola-me a sanidade
deixando-me completamente louco

a dor acontece sempre ao acordar

14.4.12

chuvas de primavera



gosto das chuvas de primavera
que chegam carregadas de perfumes de flores

trazem envergonhados sorrisos de sol
e o azul do céu aos pedacinhos
para pintar a alma em bocadinhos
de felicidade molhada e de prazer
os guarda-chuvas abrem-se admirados
e deixam nuvens liquefeitas escorrer
num regresso à terra, feito devagar

gosto das chuvas de primavera
e de ti, do teu olhar
caminhando nos meus sonhos
entre gotas de desejos
que pequenos, chovem na pele
fazendo do acordar, um mar de primavera
a transbordar

8.4.12

de repente

e de repente
o vento mudou
trazendo o perfume de uma primavera
feita com a pele que te cobre o corpo
fico-me doido
quando os dedos dos meus dedos
são os olhos que te percorrem, cegos
e desaguam depois, lentamente, nas ondas castanhas
do teu cabelo encapelado
e de repente, enchentes mornas de beijos
afundam-se nos lábios que se abraçam
os sorrisos, vagarosamente perdidos
escorrem pelo tempo
do relógio esquecido no teu pulso
loucos os ventos
que me deixam louco
e descobrem com aragens ofegantes
os sentidos envergonhados
que se escondem por detrás da alma
tão de repente
como se a lua estivesse atrasada
para o encontro com o céu
e eu em sonhos passados
dentro de um sonho teu…