24.6.11

beija-flor





- porque me olha assim?
- por causa desse jardim
que tem dentro do peito
- nota-se muito?
- só reparei porque sou um beija-flor
- voa então?
- quando não está vento forte
e em dia, o passaporte
para passar a fronteira
- asneira, amiga minha, asneira
ave já não usa isso
ave é livre
não tem qualquer compromisso
com país ou com bandeira
voa ao sabor do momento
levada por pensamento
caso seja sonhadora
- engana-se caro senhor
eu sou um beija-flor
com salvo-conduto acabado
e cérebro apequenado
onde já não cabe o sonho
reparei no seu jardim
pelo perfume no ar
e desejei ser uma flor
que aprendesse a beijar

danças?



- danças?
- sim,
sou o primeiro
que arrisco um passo
no nevoeiro
- aventureiro!!!
- trazes compasso?
- não te percebo…
- sabes, não quero
ser um devasso
e sem destino
ver-me obrigado
a ser um peregrino
pedindo o traço
do mapa louco
que imagino
- não tenhas medo
sou dançarina
cuido do corpo
levo-te a alma
sou tua sorte
sou a divina
sou tua MORTE

amor e pecado



- desculpe, tem AMOR?
- esgotado
- e PECADO?
- o último foi levado
apressadamente
por uma cliente
- linda?
- princesa de um grão-ducado
que deixou um beijo pousado
no balcão da minha alma
- saiu há muito?
- quem? o beijo ou a donzela?
- ela
- saiu montada em cavalo
e deixou perdido, um sorriso
escorrido
num adeus muito diferente
como se o morrer
fosse destino
como se a tristeza
fosse seu fado
perfeitamente traçado
por uma história menor
- qual a direcção?
- siga o bater do coração
vá sem fazer ruído
abrace o perfume do vento
pois o PECADO levado
deixa fumo sonhador
que entra dentro do peito
vai apagando a saudade
e com um risco cuidado
vai desenhando o AMOR

23.6.11

penas negras


cubro-me de silêncios
e de penas negras
dos corvos que me debicam aos poucos
os dedos, os lábios e a alma.
sinto-os caminhando pelo peito
em pequenos saltos de grandes infinitos
que me atravessam a pele
e se instalam nas veias distorcidas
com circulações perdidas
que se lançam suicidas
nos quatro bocados do coração

os silêncios conseguem calar a pulsação
arrefecem o corpo esburacado
por rajadas de balas mudas
disparadas por um sniper furtivo
escondido num canto pensativo do Amor

sem dor
na escuridão trazida por ti
os corvos continuam petiscando
a alma, os lábios, os dedos
e penas negras se pousam
no corpo dos meus degredos

12.6.11

Depois de Tóquio




Em Tóquio, o tempo arrefeceu
E choveram gotas salgadas
Tuas lágrimas derramadas
Que bebi sem chegares a reparar
Caminhando por passeios fumegantes
Cantos de cisne rasantes
De um corpo já cansado de esperar

Em Tóquio, arrefeceu o tempo
Deixou-me frio, sem alento
Com alma molhada por dentro
E passos vazios
Marcados pelo arrefecimento noturno
Que, em Tóquio, quando chega, é sempre para ficar

Deixei Tóquio
Voltei talvez a Vilnius,
Ou a Faro, ou a Cairo
Estarei talvez, naquele jardim sentado
Onde as flores ainda sabem
As tuas cores favoritas
Estarei ''smooth'' e de gravata às riscas
Imaginando sushi
E talvez (quem sabe?)
Ainda pensando em ti...

NOTA: terceiro e último poema de um conjunto a que chamei ''Trilogia de Tóquio''. os outros são ''Mesmo proibido'' e ''Em Tóquio''

Em Tóquio


Em Tóquio, continua quente
Como em Faro, em Vilnius ou no Cairo
Em Tóquio, a pol+icia de costumes saiu à rua
Proibindo beijos, abraços, sonhos e amores
E tremores
De terra, com epicentro no coração
Razão?
O calor demasiado deste Verão
Que me deixa louco, delirante, febril
E me faz inventar o teu perfil
Passeando em Tóquio , de vestido branco
Contrariando as cores preferidas
Violando as ordens recebidas
De não mais passares pelos meus olhos

Em Tóquio, inventado
Fui preso por te ter sonhado

10.6.11

Mesmo proibido


Mesmo proibido, senti a tua mão de fugida
Passando clandestina pela minha, já esquecida
De sentir nela a bater um coração
Mesmo proibido, timidamente usei palavras que tu gostas
Em frases que foram deslizando pelos passos que gastamos
Numa avenida quente de Tóquio
Comendo sushi imaginado
Com pauzinhos enfeitados de sorrisos
E sabor que por ti foi desejado

Mesmo proibido, passeamos num jardim onde as flores
Eram todas com as cores que tu preferes
Cor do céu que nos abriga
Cor da noite que nos mata
Cor do nada que vai consumindo aos poucos
As palavras que resistem dentro do peito

Bebi em goladas “the smooth”, a tua utopia
E mesmo proibido, sentado a um palmo de ti
Apanhei com os meus dedos uma lágrima tua
Em fuga da alma que sofria

Numa avenida quente de Tóquio
Forjado
Deixei o beijo proibido que me deste
Ser verdadeiro
Ser eterno
E ficar nos meus lábios docemente tatuado

8.6.11

Tocar o teu sorriso


E liberto as minhas mãos de mim
Como grito de saudade
Voo de uma vontade de te afagar
De tocar o teu sorriso
Que devagar
Vem aos meus dedos beber
As gotas de luar filtrado
Que neles guardei para te dar

O teu sorriso assim embriagado
Despe-se lentamente
E cansadao
Deixa-se nos teus lábios adormecer

Depois
As asas que pousaram pr'a te ver
Ficaram numa vigília acordada
Vendo-te sonhar
Sorrindo
Percebendo a noite que te embala o pensamento
Demolindo
A distância curta que existe
Provavelmente no teu olhar

7.6.11

O circo


O circo hoje não abriu
Porque a criançada cresceu de repente
Trocou a arena pelo computador
Ficou em casa a ver filmes de terror
Com bolinha no canto
E com tal encanto
Que assustou o palhaço
Que entretendo o ego
Fazia rir o elefante

O trapezista espreitou quando voava
Em treino
Num reino
De bancadas vazias de gentes
E tábuas empenadas por ausências de aplausos

Aterrorizado, caiu na rede
Enquanto a criança irritada
Falava em vírus no servidor
Em problemas no monitor
Em falta de rede
Que para sorte do trapezista, não falhou
Segurou o seu corpo num abraço
Ovacionou'lhe os sentidos
Que quase se perderam
Numa queda com muitos metros
Engolidos em sufoco

A criançada não deu por nada
Agarrada sem abraço
À tecnologia avançada

4.6.11

As amêndoas dos teus olhos


As amêndoas dos teus olhos
São opalas de um colar
No pescoço da noite que me acolhe
E me baloiça sorrindo
Contando histórias, poemas
Que um dia eu escrevi
Deixa'me caracóis negros
Fazendo cócegas na alma
E acorda-me
(quando durmo)
A vontade que tenho de te ter

As amêndoas dos teus olhos
Reluzem como as estrelas
Mesmo quando o céu já fechado
Se apresenta amuado
E como menino mimado
Se pinta todo de negro
Batendo à minha janela

Ele vem p'ra me assustar...

Mas de repente, no escuro
Sinto os teus dedos macios
Que chegam suaves, ligeiros
Trazendo perfumes inteiros
Do teu corpo p'ra mimar