25.2.10

o tempo que tu passas a contar


gosto do teu cheiro a pele sedenta
com sardas de canela a enfeitar
pintadas por beijos (são oitenta)
de lábios sequiosos por beijar

oitenta são os tempos que eu tenho
parados, prontos para te abraçar
relógios sem corda que desenho
estão presos por desejos de amar

o tempo que tu contas com sorrisos
são contas de marés a ondular
são horas com minutos indecisos
que teimam em pensar para passar

é tempo do bater do coração
o tempo que tu passas a contar
é voo interior de solidão
com asas sobre o mar que há-de findar

19.2.10

pincel em arrepio


deixa que a neve repouse
nos caminhos onde passo
tapando as marcas que deixo
com um branco luzidio
pintado a esquadro e compasso
por pincel em arrepio.
são sinais de tempo largo
em caminhares pela vida
são alvuras que esmago
com passadas sem saída
sem relógio, sem um mapa
sem destino na corrida
sem bússola, sem sul ou norte
deixo-me perder na vida
esperando pelo vento
que insufle minha sorte

16.2.10

o corso

foto: Juca Filho (www.olhares.com)


o corso saiu ensaiando folias despropositadas
disfarçando almas que se arrastam em carnaval
lançando serpentinas em espirais desvairadas
que se emaranham em alegria tribal
e deixam corpos em tonturas destiladas

passam palhaços, piratas, corsários e princesas
umas lindas outras de duvidosas belezas
passam gentes sem disfarces preparados
mostrando aqueles sorrisos forçados, maquilhados
por mafarricos em faces indefesas

passam figuras de histórias encantadas
romeus sem as suas julietas
cinderelas e madrastas assustadas
que navegando em cartolina feita mar
são clandestinas passageiras de naus catrinetas
que perderam a maré e tudo o que tinham p’ra contar

passo eu por este carnaval
que me tenta mascarar às escondidas
com disfarces de camuflagem mental
encobrindo as vontades esquecidas
dum sorriso para ti, especial

vento pela frente

foto: J. Pedro Martins (www.olhares.com)

voo em asas soltas de palavras
encontro anjos mudos reunidos
pousados nas nuvens dos desejos
e deuses ocupados em discursos de senado
voo com o vento pela frente
sufoco pensamentos
que morrem à nascença e jazem em urnas de votos brancos
pensamentos embrulhados em significado nulo
despidos de sentido
destituídos de vontade
desmembrados e sem penas
voo sobre o corpo que liberto
em queda livre
e recolho os gritos que acordam consciências
adormecidas nas asas dos anjos mudos
e nos decretos dos deuses do senado
voo em asas soltas
e solto as palavras, com o vento pela frente

10.2.10

lágrimas

lágrimas, são pedacinhos de alma que escorrem
quando está escuro
são sentidos confundidos feridos pela saudade
são gotículas de orvalho condensadas
na superfície gelada das palavras que tu dizes
ou que não dizes
deixando que o inverno tome conta do meu peito
percorrem rugas de expressão triste
em enchentes transbordantes de lembranças
e inundam a face sedenta de um sorriso
lágrimas são de sal
sabem a sal, quando as provo nos teus lábios
são de mar, trazidas por vento forte na alma da maresia
são pérolas alinhadas em enfeites de catarse
e são por hoje a minha companhia

7.2.10

desisto do amor


desisto do amor
e de asas incapazes de voar
desisto das palavras que não chegam
onde eu quero
e dos beijos que guardei para te dar

desisto de ser gente com licença
de tempo infinito pr’a sonhar
desisto das preces e dos deuses
impotentes, infelizes, distraídos
que se escondem em milagres de adornar

parto sem destino e sem mar
não deixo um sinal, uma esperança
mergulho cego numa lembrança
dum regresso que não tenho para dar

sedo a alma que fica em sono eterno
desisto da minha identidade
acelero a contagem da idade
e queimo o pensamento neste inferno

vejo arder os poemas que mais gosto
desistem também eles do amor
restando-me esperar pelo sol posto
da vida que se arrasta em desgosto
por ruas que perderam sua cor

4.2.10

quando chegares

quando chegares, talvez já não me encontres
talvez na pressa de partir, deixe a pairar pela casa
o perfume que me deste.
por certo deixarei a janela entreaberta
para sentir o sorriso da lua beijar-me a face, em despedida
e iluminar meus lábios que descansam das palavras que te disse
tantas vezes, tanto tempo, com vontade.
quando chegares, apaga o brilho dos meus olhos com um sopro
e não deixes lágrimas molhar-me o corpo
despojado da alma que te abraça.
quando chegares, dá-me a tua mão:
no teu pulso estreito, vou sentir, ao partir
o bater do teu coração