17.11.11

números de outono


O Outono chegou preguiçosamente à cidade, com chuva de números miudinhos, quase imperceptíveis, que molhavam as folhas virgens de papel, estendidas na minha varanda.Um perfume numérico invadiu suavemente todas as ruas há muito desejosas de novos cheiros. As paredes dos edifícios entretinham-se a contar desordenadamente os algarismos. Ao sabor de cada gota aleatória deslizante, tentavam adivinhar sequências matemáticas que lhes colocassem sorrisos de felicidade às janelas. Sequências não monótonas, limitadas superiormente por telhados algébricos vermelhos e inferiormente por graníticos passeios que se transformam em rios onde os números, em brincadeiras irreverentes, se organizam em progressões aritméticas. As operações simples saíram dos cadernos da primária e pasmadas olhavam para aquela desorganização numérica sem perceber se alguma regra prevalecera na determinação da ordem. Repórteres dos jornais fotografavam. As televisões interrompiam emissões e em directo, davam conta do acontecimento matemático, num Outono até ali seco de eventos que justificassem intervenções não programadas. No céu ainda carregado de cinzento, uma plateia de figuras esfumadas riam, trovejando com pigarro atravessado nas gargantas. Os contornos eram lineares e brilhantes, relâmpagos desenhando Arquimedes, Bernoulli, Copérnico, Descartes, Einstein, Fibonacci, Galileo, Hook, Jacobi, Kepler, Lagrange, Newton, Pitágoras, Riemann, Thales, Weber, Zenón… sequência alfabéticas, interrompidas aqui e ali por ausência de nomes entretidos a sonhar. Eu, ando por ali, registando loucuras. Conto, descubro, equaciono, seco as folhas de papel desvirginadas pelos números miudinhos que choveram numa cadência poética dum Outono que preguiçosamente chegou à cidade. Neles descodifico este texto que não sendo perfeito é por certo uma sequência limitada e finita de palavras criptograficamente deixadas pelos poetas que matematicamente, dos céus, me contemplam…



NOTA: Desafio lançado pelo Clube de Matemática ao qual respondi com um gosto muito especial atendendo à minha formação mais virada para as ciências do que para as letras. Neste exercício mensal, pretendo, de alguma forma, ''casar'' a Matemática com a Poesia... vamos ver no que dá...

2 comentários:

OutrosEncantos disse...

eu acho este teu registo de "aritmética-poética" maravilhoso.
a-d-o-o-r-o!...

beijo, Nuno.

Anónimo disse...

o-b-r-i-g-a-d-o....

é tão bom saber que me lês, OutrosEncantos...
beijo!