29.5.10

tive

voltei à cama desfeita
com o desejo acordado de te ter
contei segundos, pelos dedos
até quase me perder
tive o teu sorriso pousado
à cabeceira
e o teu perfume deitado
engelhando a cama inteira
tive o teu olhar perdido
procurando pelo meu
tive um beijo trazido
pela brisa vinda do céu
tive o arrepio de pele
e o teu cabelo ao vento
no mar agitado e revolto
que inundou meu pensamento


25.5.10

"a gente"

foto: F. Luís (www.olhares.com)

"a gente" vai-se morrendo
devagar
com um sorriso a amparar
e a alma em fingimento
de existir
de persistir
de continuar no engano
de ainda haver momento
para se apaixonar

"a gente" vai-se arrastando
nos contornos de uma vida
perdendo-se, encontrando-se
encontrando-se, perdendo-se
em caminho sem retorno
em viagem suicida
"a gente" vai-se apagando
"a gente" perde a saida

"a gente" perde os sentidos
sem vento soprado a favor
perde maneiras
perde estribeiras
perde o norte
perde a sorte
perde o querer de ser forte
perde o perfume do amor

22.5.10

chegou


chegou num mar encapelado
deixando um rasto desenhado
de choros, gritos, escuridão
chegou com sorriso traiçoeiro
os olhos sem um olhar verdadeiro
as vestes caindo em podridão

chegou, anunciada pelo cheiro
em tormenta, por entre o nevoeiro

ao longe, um enorme uivar
um vento frio, que sabe como tocar
arrepiando pêlos, pele, recordações
cortando aos pedaços corações
que em marcha acelerada
saem do peito, feito parada
e declaram à vida objecções

ela chegou
não sei se vinda de sul
ou de norte
não sei se por azar
ou por sorte
só sei que chegou a morte…

19.5.10

Poezijos Pavasaris 2010


Fui convidado para representar Portugal no Festival Internacional de Poesia da Lituânia, que se realiza de 16 a 30 de Maio. É para mim uma honra poder estar entre tantos e tão reconhecidos poetas lituanos bem como pertencer ao grupo dos poetas estrangeiros que vieram da Síria, Rússia, Geórgia, Letónia, Polónia e Republica Checa. Esta segunda-feira foi lançado um livro que contem poemas de todos os poetas presentes no festival, e onde possuo 3 poemas traduzidos / interpretados por Irma Vitukynaite.

17.5.10

precisa-se de beijos


precisa-se de beijos
dados com vontade
confirma-se identidade
ao solicitar-se um sorriso

devem ser bem adoçados
em quantidades q.b.
adornados com pecados
muitos e prolongados
nos lábios, na pele, em bocados
do corpo que não se vê

recusam-se beijos fugidos
beijos de despedida
por não estar projectada
qualquer saída ou partida
os de chegada, se houver
serão presos ao pousar
não se poderão libertar
até eu aqui estiver


16.5.10

calou-se o mundo


o mundo hoje encerrou
fechou o céu e cegou
em chuva de lágrimas choradas
engoliu as madrugadas
entre amores e desamores
de vontades balançadas.
morreram flores nas janelas
dissolvendo-se nas cores
trazidas por primaveras.
calou-se p’ra sempre o mundo
num silêncio bem profundo
que fez o vento parar
e o rio que alimento
da varanda dos meus olhos
encostou-se em lamento
nos ombros dos meus escolhos
adormeceu num momento
recusando o acordar
do beijo de despedida
que eu tenho para lhe dar

15.5.10

eu, o teu sorriso e o mar

foto: J. Pedro Martins (www.olhares.com)


gosto do teu sorriso
que te enche os olhos e a boca
que voa nas palavras que tu dizes
e nos gestos que tu danças
embrulhando as lembranças
que depois, sabiamente, carrego de ti.
gosto dele como do mar
também ele sorri nos meus olhos
salgados
propositadamente fechados
para trazerem a tua presença aqui.
os dois, azuis, o teu sorriso e o mar
são a minha companhia
quando me invade a mania
de um dia ser feliz.
gosto quando os três, abraçados
eu, o teu sorriso e o mar
resolvemos navegar
os três, apaixonados
os três, alucinados
viajamos sem ninguém se aperceber
viajamos até sermos separados
por um dos três
se deixar propositadamente morrer

(versão russa)

8.5.10

5 cl


5 cl de amor
que bebes num trago
dum corpo mal pago
ainda em flor
mulher alugada
vendendo calor
numa madrugada
de escuro maior

5 cl em shot
sem sabor, sem mote
sem beijo, em segredo
que bebes a medo
e de uma só vez
contas um, dois, três
numa cama usada
a mulher cansada
que julgas que tens
tem alma chorada
na vida enganada
está entre as reféns

5 cl de morte
em roleta da sorte
que gira sem norte
contra a solidão
para em frigidez
conta um, dois, três
e dispara em cheio
deixando em anseio
o teu devaneio
expondo a nudez
em embiaguez
da tua paixão

7.5.10

pouso-me

foto: Tariana Mara (www.olhares.com)


pouso-me cansado
no fio de navalha afiada
sem ombro de árvore que abrigue
a alma com lágrimas, molhada
pouso-me depois
de viagem enublada
em correntes de céu quase apagado
por ausência de pecado
por ausência do pintar da madrugada
pouso-me abandonado de asas
de te ter
pouso-me nas brasas
da lembrança
da mudança
e dos desejos a morrer

5.5.10

mar de abraços

foto: Maria Leonor Roxo (www.olhares.com)


precisa-se de um mar chão
que caiba dentro da mão
que não seja agitado
se possível não salgado
gostava talvez pintado
de fresco, em azulado
com cheiro a ilusão.
precisa-se de mar de abraços
repleto de sargaços
peixes que não sejam palhaços
mas sorriam da cadente
estrela do céu caída
quando o mar em despedida
beijou terno, o firmamento.
precisa-se de mar com vento
mar bonito, mar de gente
maré-cheia permanente
chegando à praia deserta
com conchas feitas sorriso
espumas feitas aviso
deixando areia em alerta

1.5.10

precisa-se, coração desocupado

foto: Rute =) (www.olhares.com)


precisa-se
coração desocupado
onde se possa morar
com quatro assoalhadas
arejadas
por brisas de madrugadas
que se deitam envergonhadas
quando o sol as vem beijar
precisa-se de T4
dois ventrículos
duas aurículas
sem partículas
de passados
sem amores desarrumados
nem sangues envenenados
que possam vir a matar
precisa-se
com urgência
ocupa-se com paciência
para fixa residência
de alma quase em falência
pronta a se apagar
tem no entanto agarrado
um desejo bem vincado
de por aí encontrar
coração desocupado
pronto a se apaixonar