30.10.12
Às escondidas
Morreu de noite
Às escondidas
Para não incomodar ninguém
Voou, engolindo o tempo
E o outono embalou seu corpo
Como se fosse folha amarela caindo devagar
Ela desistiu de esperar
Pela primavera
Enquanto eu dormia
Saltou para o infinito
Nem um grito deu
Nem uma palavra se libertou
Para hoje, se contarem histórias
Voou, engolindo o ar
Que lhe faltou na vida
Sorriu
Com o frio que lhe feriu as veias
Partiu
Às escondidas
Para não incomodar ninguém
Enquanto eu dormia
Chegou a morte
Para ela
Pela janela
Com tudo o que tem de puta
Com tudo o que tem de bela
NOTA: Uma noite destas, morreu Alge. Tinha 25 anos, caiu da varanda, junto à minha janela...
banho-Maria
Estou em banho-Maria
E a Maria, com a habitual ousadia
Está comigo.
Banho de água tépida
Beijando o seu umbigo
Círculo primoroso
Perigoso
Desenhado por Deus, a compasso.
Os seus seios, perfeitos, navegam
Gaivotas esfomeadas
Que com bicos em alerta
Furam ondas delicadas
Procuram minhas mãos
Submersas
Afogadas em espumas de ternura
Determinadas em esconder os pecados
O banho-onde-Maria me rouba o siso
É às vezes também salgado
Alimentado por desejos
Que dos olhos brotam
Por ela simplesmente estar
Num banho morno
Com o seu contorno
A transbordar, a tocar
A minha pele molhada
Como se uma horda de borboletas
Fosse capaz de mergulhar
E a Maria, com a habitual ousadia
Está comigo.
Banho de água tépida
Beijando o seu umbigo
Círculo primoroso
Perigoso
Desenhado por Deus, a compasso.
Os seus seios, perfeitos, navegam
Gaivotas esfomeadas
Que com bicos em alerta
Furam ondas delicadas
Procuram minhas mãos
Submersas
Afogadas em espumas de ternura
Determinadas em esconder os pecados
O banho-onde-Maria me rouba o siso
É às vezes também salgado
Alimentado por desejos
Que dos olhos brotam
Por ela simplesmente estar
Num banho morno
Com o seu contorno
A transbordar, a tocar
A minha pele molhada
Como se uma horda de borboletas
Fosse capaz de mergulhar
18.10.12
Era uma vez uma noz
Era uma vez uma noz
Fechada, e nada dada
A diálogos secos
Como os dos frutos da sua espécime.
Casca grossa
Rugas que não são da idade
E cabeça dura
Sábia, madura, cheia de genialidade
Resultado da idade
E de estar sempre calada.
A noz vivia sozinha
Numa cozinha
Esquecida no peitoril
De uma pequena janela.
De lá
Contemplava a ruela
Por onde nós, os amigos da noz
Passávamos
Em diálogos frescos
Muitos, sem nexo
Alguns com mistura de sexo
Como os dos animais da nossa espécime.
Dizia eu
Que a noz vivia sozinha na tal cozinha
Até ao dia em que,
Só para mostrar aos amigos
A sua virilidade,
O homem das mãos fortes
A esmagou
Expondo em cada metade
As conversas silenciosas que a noz guardou
Durante a sua virgindade.
Nós, os amigos da noz
Fizemos luto
Perdemos a fé
Perdemos a voz
Por não a termos mais
Entre nós
Calada, quieta, pensante, tão bela
Naquela
Tão pequena janela
Só um
À noite somos só um
E o silêncio do escuro
Traz o silêncio de nós.
As paredes do quarto têm de vez em quando
Os faróis dos carros que passam na rua.
Deslizam devagar até à porta
E saem
Diluindo-se no pequeno corredor
Túnel de acesso à dor
Quando me levanto.
À secretária, senta-se a solidão
Olhando-me de soslaio
E o roupeiro enorme
Não dorme
Murmura ao som das dobradiças envelhecidas
Fazendo-me partidas
Quando tento adormecer.
À noite somos só um
E o meu corpo em slow-motion
Procura espaço de lençol sem facas
Que me deixe descansar
Os meus olhos, inventam coisas para olhar
Criam fantasmas que se desviam milagrosamente
Dos automóveis que quase se despistam
Na ombreira da saída.
Só um
E o silêncio rompido por vontade de gritar
Só um
E a dor estrebuchada por vontade de fugir
Só um
E o corpo destruído pela droga do pavor
À noite somos só um
Eu, a noite e só um...
E o silêncio do escuro
Traz o silêncio de nós.
As paredes do quarto têm de vez em quando
Os faróis dos carros que passam na rua.
Deslizam devagar até à porta
E saem
Diluindo-se no pequeno corredor
Túnel de acesso à dor
Quando me levanto.
À secretária, senta-se a solidão
Olhando-me de soslaio
E o roupeiro enorme
Não dorme
Murmura ao som das dobradiças envelhecidas
Fazendo-me partidas
Quando tento adormecer.
À noite somos só um
E o meu corpo em slow-motion
Procura espaço de lençol sem facas
Que me deixe descansar
Os meus olhos, inventam coisas para olhar
Criam fantasmas que se desviam milagrosamente
Dos automóveis que quase se despistam
Na ombreira da saída.
Só um
E o silêncio rompido por vontade de gritar
Só um
E a dor estrebuchada por vontade de fugir
Só um
E o corpo destruído pela droga do pavor
À noite somos só um
Eu, a noite e só um...
a bandeira
decretou o presidente:
- tudo de pernas para o ar
decreto de 5 de outubro
num feriado a acabar
e o Zé do violino
que fazia mal o pino
torceu o pescoço com medo
ficou todo do avesso
mostrando todo o segredo
que tinha estampado por dentro
a Maria que era mouca
logo, logo se despiu
mas quase ninguém a viu
só o Manel reparou
que nada trazia por baixo
o mesmo Manel, que era cego
as mãos à cabeça levou
quis ser surdo, e com vista
para poder ser artista
igual ao que ali falou
- tudo de pernas para o ar
repetiu o presidente
e o ti Joaquim perneta
virou-se logo ao contrário
caminhando como novo
com um “andar” renovado
para o espantado povo
a Júlia, a florista
pousou para a “Caras” (revista)
junto à bandeira forçada
a cumprir, assim içada
a ordem do presidente
e o João que era tolo
correu gritando p’ra ela
chorou, porque era um louco
ou porque, como nós todos
tem direito a s’indignar
num país Adamastor
a acordar lentamente
plantado à beira mar
despe-te
despe-te só para mim
tira os segredos
e medos
tira as sombras que escurecem
os olhos de ametista
e te pintam as tristezas
que me entristecem a mim
põe-te nua
mostra a alma
com sensualidade e doçura
deixa-me passar os lábios
pela saudade tua
abraça-me com um sorriso
que me chega excitado
pelos gestos que te faço
quando meio enfeitiçado
morro por um momento
nos lençóis riscando o tempo
que conto por não te ver
despe-te só para mim
por favor, diz que o fazes
não está frio por cá
porque o vento que passeia
na vida que construí
sopra quente, diz-se ligeiro
porque te quer beijar a ti
visita anunciada
espero a dor
como visita sempre anunciada
por sirene que me percorre todo
deixando-me acordado, desejando a morte.
chega de repente, como Ela,
e vai minando cobardemente, a carne por onde passa.
incendeia o sangue - raio de pirómana que rasteja
por entre o capim seco da idade
chegou a dor
e praguejo com toda a força que tenho concentrada na língua
esfaqueio a pele com dedos afiados pela raiva
procuro pelos cantos do corpo que dobrados
me podem trazer o paraíso, por momentos
luto desesperadamente pela luz
pelo entendimento que me descanse a alma
e anestesie as pernas, os braços, a mente
desisto, de repente
e engulo sofregamente o milagre
que me deixa apagar o fogo
aquele que quase me deixou demente
como visita sempre anunciada
por sirene que me percorre todo
deixando-me acordado, desejando a morte.
chega de repente, como Ela,
e vai minando cobardemente, a carne por onde passa.
incendeia o sangue - raio de pirómana que rasteja
por entre o capim seco da idade
chegou a dor
e praguejo com toda a força que tenho concentrada na língua
esfaqueio a pele com dedos afiados pela raiva
procuro pelos cantos do corpo que dobrados
me podem trazer o paraíso, por momentos
luto desesperadamente pela luz
pelo entendimento que me descanse a alma
e anestesie as pernas, os braços, a mente
desisto, de repente
e engulo sofregamente o milagre
que me deixa apagar o fogo
aquele que quase me deixou demente
Subscrever:
Mensagens (Atom)