27.9.09

venha


venha
venha ensinar-me o amor
venha soletrar palavras
certas, curtas, ajustadas
venha construir em mim
sílabas arredondadas
que em carrossel de sentidos
me deixem sinais pedidos
nas trilhas tão desejadas

venha
venha murmurar dialectos
ponha-me tonto de afectos
vicie-me com seu fulgor
e me apague toda esta dor

quero ter adocicadas
promessas cor de compota
do fruto que não se esgota
nas almas apaixonadas.
venha, faça-as chuviscar
escorrendo, a deslizar
com leveza e com sabor.
derrame o seu calor
espalhando com prazer
os doces enamorados
acabados de fazer

venha
despeje sorriso em mim
venha abrir-me as janelas
guardadas por sentinelas
que cercam o coração.
venha, traga a sua emoção
entorne-a em enxurrada
pela minha pele gretada
por ausências de afeição.

venha
venha ensinar-me o amor
venha ser mulher flor
renascida em botão
na palma da minha mão

24.9.09

ser teus olhos

foto: Fernando Goytre (http://www.olhares.com/)

queria ser os teus olhos
para sentir o que vês
quando vagueias no escuro
do pensamento inseguro
que te invade de quando em vez

tocar tua pele clara
deslizar na tez marfim
sentir o arrepiar
da saudade a transbordar
derramada sobre mim

passear na tua alma
com dedos de algodão
encontrar os teus segredos
destruir todos os medos
abraçar-te o coração…

18.9.09

o poema morreu


hoje o poema morreu,
sangrando estrofes numa morte lenta
derrotado
abandonado
praticamente esmagado
por palavras duplicadas
casualmente encontradas
nesse canto apaixonado

hoje em procura desesperada
o poema descobriu-te enamorada
e lembrou-se, de repente
do que te ouviu dizer
de um modo convincente
do que sentiu ao te ler
tornando-se teu confidente
do que te viu escrever
desse jeito tão ardente

hoje o poema morreu
nos teus braços
de forma tranquila e calma.
paz à sua alma!

17.9.09

poeira temporal

foto: Paulo César (http://www.olhares.com/)

fotografo momentos com os olhos
que se imprimem na alma, câmara escura
com uma precisão sempre tão dura,
tolhendo-me os sentidos hesitantes.
são instantes que duram um segundo
tão longo como esta eternidade
perdida na contagem da idade
que torna o pensamento infecundo

são rolos de película a granel
cobertos por poeira temporal
que sopro espalhando em papel,
palavras de valor residual
riscadas em desenho duma vida

envolvido por luz enfraquecida
escrevo um poema casual
buscando a razão condicional
para retardar a despedida

11.9.09

solidão sentada

foto: Rui Soares (www.olhares.com)

percorro nomes de memória
numa solidão sentada
imagino faces, corpos, sorrisos, a passar
diluídos em tempos que se escoam entre dedos
perco-me em enredos
receio não mais os apanhar
preciso de sentir um respirar
preciso de uma mão
um bater de coração
uma pele com cheiro bom
que me faça arrepiar
preciso, talvez, do teu olhar
brilhando de madrugada
repousado em mim, ao acordar

e assim parado em solidão sentada
descanso a alma
espero talvez por nada

7.9.09

résteas do verbo amar

foto: Abner Paulo (www.olhares.com)

as tuas palavras bailam desordenadas
entre paredes vazias de alma ferida
entre notas flutuantes de despedida,
tocadas por cornetas afiadas

são rumores intermináveis d’ infinito
que ecoam eternamente como um grito
impedido de fugir à solidão.
derretem-se em fogo circunscrito
ateado por acto já prescrito
nas queimadas acendidas no verão

brados desesperados soam no ar
résteas gritantes do verbo amar
rangem entre chamas, vociferam alto,
embalam centelhas em sobressalto,
debaixo de fogo forte, difícil de apagar

ouço-o crepitar em poros de pele queimada
por ácido de paixão em gotas derramada
que me deixa expectante e acordado.
conto chagas em cada noite que passa
alimentando uma esperança escassa
de voltar a ser simplesmente amado

choro então, por beijo de saliva quente
curandeiro desta mágoa ardente
pousada em mim com tanta exactidão.
rói-me por dentro o coração
que bate desprendidamente
e me deixa aqui num viver ausente
perdido, descrente, em hibernação

5.9.09

saudade imensa de te abraçar


hoje não queria, assim, partir
perdendo no tempo, o teu sorrir.
hoje, por uma nesga, por entre corpos em Despedida
vi na tua face meio escondida
uma lágrima teimosa e proibida.
hoje, quase sem querer,
encontreI razão para viver.
talvez pressintas um vento norte
caprichoso e veloz, ensaiando a sorte
e que me empurra para junto de ti.

hoje (tu sentes) eu queria ser
a tua sombra e assim te ter
de dia, sem sOl, coisa singela
de noite, ao dormir, pintada por vela
que se esGota chorando com o teu chorar

aquele chorar, que hoje à partida
mesmo tão forte, deixaste ser mar
fez-me perdido, naufraguei sentido
sem resto de barcO onde me agarrar.
hoje (tu sabes) partindo partido
levei só comigo
esta saudade imensa de te abraçar

3.9.09

derreto chocolate no calor da alma


derreto chocolate no calor da alma
que escorre por dentro, espesso e devagar
percebo-o como doce lava a rastejar
que preenche espaços ocos, indecisos
ávidos dos sabores por vezes imprecisos
dos quadradinhos de amor
que partidos docemente
deixam cheiros a cacau dormente
viciam vontades e anestesiam minha dor

são segredos de sentidos combinados
são sabores que andam abraçados
beijos por vezes imaginados
teores de açúcar perdidamente apaixonados
que seduzem, que se fundem, que insistem
em me ter a mim, assim carente
esperando pacientemente o chocolate quente
derretido por ti, misteriosamente
no calor que me sufoca a alma