27.11.09

caminhada


aqui, do outro lado do espelho
segui os teus passos acertados
por batidas de tacões bem afiados
que deixam meus sentidos em alerta

as cores do Outono em sobressalto
abrem alas à tua caminhada
sob as árvores inocentes que se despem
expondo desejos que se abraçam
ao teu corpo de pele arrepiada
às folhas que no chão, já adormecem

“caminhando absorta em pensamentos”
em obscura e sentida madrugada
vejo os reflexos dos momentos
dessa tua imaginada caminhada
e sopro daqui uma vontade
entregando-te em brisa, esta saudade
de te sentires aqui, tão desejada

traz a tua “sombra alongada
de mulher segura que a precede”
atravessa devagar o meu espelho
quero a tua alma enamorada
saciando calmamente a minha sede

25.11.09

palavras enforcadas

foto: Mariah (http://www.olhares.com/)

passeio na tua mão
sinto teus dedos esguios
reconheço os teus, meus frios
perdidos em combustão.
vejo dançar os teus olhos
ouço teu medo saltar
acaba por tropeçar
nas cordas do coração

a tua mão tem sorrisos
que afagam minha pele
navegam linhas de vida
em mares de suores imprecisos
e numa rota perdida
encontram meus paraísos
fundeiam na despedida

estremece a tua mão
com ondas altas e soltas
das palavras adoçadas
que vagueiam com escoltas
e acabam enforcadas
nos lábios das nossas bocas

18.11.09

a morte veio jantar


a morte sentou-se e jantou comigo
riu-se da vida
de forma descomprometida
e contou como cresceu.
falou do mundo perdido
brincou com os dedos
esperando a sopa
de almas desentendidas
perfeitamente perdidas
boiando entre legumes.
bebeu sangue inocente
e partiu em bocados, corpos já mutilados
que engoliu sofregamente.
a morte não me ouviu, só falou, falou
sem cessar
não tem ouvidos, tem boca e unhas afiadas
não aparadas
com bocados de destinos por limpar.
a morte cheirou-me mal
infestou meus sentidos
sem se deter
bebeu litros de café
para não adormecer
vomitou agoiros no ar
e saiu antes da sobremesa
prometendo que nos havíamos de encontrar

16.11.09

não sei

foto: Marta Ferreira (http://www.olhares.com/)

sabes, não sei se venho a tempo
não sei se o atraso é fatal
se o destino que morre
na desesperança infernal
se reescreve em palavras que cobiço usar
para te fazer sorrir e ver-te ficar

não sei se a demora
pode parar o curso do rio, agora
não sei, se o sentido do vento
que se adivinha forte
pode mudar a minha, e a tua sorte
sei sim, que pode sufocar-nos de um modo lento
pode trazer corvo sedento
que nos arranca a carne, ferindo-nos de morte

sabes, é pena talvez ser tarde
é pena ser hora de fechar o pensamento
acabar com o último lamento
e sedar a alma que teima em voar.
não sei se o atraso é fatal
não sei se me perdi no teu sorriso intemporal
se me droguei com o verbo imaginar
ou simplesmente bebi cicuta para não te poder amar

13.11.09

fui voar


contemplo o céu fixo e constante
a cada passo em cada instante
tentando como perceber
o alcance desta imensidão
que faz voar o coração
e deixa a alma ofegante
pergunto como o abraçar
e descobrir, os seus segredos
fico ansioso, não sinto medos
mas quero nele velejar.
quero o calor de um trovão
quero beijar só uma estrela
chegar à lua que é tão bela
dizer baixinho que gosto dela
depois tocar-lhe e dar-lhe a mão
e em delírio tresloucado
contei meu querer, tão desejado:
quero ir ao céu, sentir o cheiro
do mar que paira por inteiro
enublado, sobre nós.
esta vontade de navegar
abriu teu peito, fez-te sonhar
da pedra dura, cinzel, a sós
numa quimera, a cintilar
fizeste asas de encantar
e no azul, eu fui voar

(poema criado para a exposição de Maria Leal da Costa)

olhos difíceis de dizer


os teus olhos são difíceis de dizer
pouso neles quando estás para chegar
ou não estando, decido trazer comigo
compêndios de achar abrigo
(des)regras para sonhar
e assim,
procuro palavras belas
cores que espreitam em janelas
flores desabrochando
nas gotas do teu olhar

os teus olhos são mares de azul
molhando sorriso doce
nuns lábios com tais contornos
que apetecem beijar
são ventos de sabores mornos
que correm durante as noites
amargas e sem luar

quero os teu olhos fitando
os meus, mesmo sem cor
quero colorir com eles
o céu onde, como um bando
de aves em assumido desmando
voam fragmentos de amor

6.11.09

águas mortas

foto: Carlos Lima (http://www.olhares.com/)

vagueio por partidas e chegadas
em viagem solitária e incerta
corpo perdido e alma descoberta
errantes como brisas desmaiadas

encontro portos secos sem amantes
com barcos atracados por instinto
dos capitães cegos, delirantes
levados por correntes-labirinto

sou marinheiro oculto em velas rotas
movidas por um vento-nevoeiro
que cobre o oceano traiçoeiro
fazendo afundar almas vividas
(outrora criaturas destemidas
agora sufocadas em águas mortas)

fantasmas de navios que apodrecem
carregados de tesouros já sonhados
destroços de desejos, aos bocados
levados por marés que amanhecem
quando tocam, quando molham, quando sentem
os meus olhos ainda acordados