29.4.11

A morte


Outra vez a morte... A tua morte a chegar-me
A entrar-me pelos olhos, a abrir-me os dedos das mãos fechadas em punho
Assustadas, defensivas, como se pudessem lutar
A morte, a tua morte a turvar as lembranças que colecciono de ti
Nos abraços apertados, nas palavras repetidas como se fossem primeiras
Nos trocadilhos da vida que nos fazem rir a bandeiras despregadas

Hoje voltei a tê-la aqui, a tua morte
Veio engalanada, a puta, para me enganar, dizendo-me que era a vida
Com falinhas mansas, dizendo que te queria, que te levava nos braços
Para seres imortal
Coisa banal, como se fosse natural, esta de ser imortal...
Outra vez a tua morte a acordar-me, a levar-me para cada despedida nossa
Onde engulo lágrimas e os meus medos se salgam na garganta

Por cada despedida nossa, sinto a morte a secar-me a boca
A alma fica vazia
E as habituais promessas, juntas
Guardo-as num enleio

Não chores, eu volto um dia

26.4.11

A noite


E a noite entornou-se fervente no espaço
Por onde tento escapar incólume
Agarrado aos últimos bens que tenho
Escondo-os no peito
Camuflados com galhos de saudades
Secos por distâncias
Cada vez mais longas
Cada vez mais lestas a chegarem dentro de mim

E a noite, líquida, espessa, viscosa, chega como lava de vulcão frio
Cegando os sentidos, preenchendo os vazios
Queimando o oxigénio onde ainda haviam velas vivas a arder

Agora só espero o amanhecer
E ver
A luz dos teus olhos
Sol que me invade o quarto
Ao alvorecer

20.4.11

Pozinhos de cetim


Sei que não tenho pr'a ti, só 3 beijos para dar
Sei que são muitos, incontáveis, cheios de enfeites de dedos
Beijos de pele, de sorrisos, de lábios quase esquecidos
Dos movimentos perdidos
Doutros lábios pr'a beijar

Acho que tenho tudo
Tenho magias secretas e pozinhos de cetim
Que te deixarão assim
Com asas de ave livre, corpo leve como o vento e vontade de voar

Tenho as minhas mãos à espera de contornos desnudados
Dos teus riscos desenhados
Que vejo à noite nos céus
Rastos de estrelas cadentes, que se apaixonam carentes
E caem nos olhos meus

Tenho arrepios de alerta
Tenho-me assim navegando
Em vida quase deserta
E marés cheias de ausência
Sem praias para beijar
Tenho remos de palavras, em busca da existência
Dum poema fascinante, que te faça aqui chegar

17.4.11

Greve da fala (ou letra para um fado)


Por amor ao fado, paro
Náo falo, fico fechada
Deixo-me assim quieta
Com a minha boca sedenta
Com minha alma afogada
Por uma vontade imensa
De sentir tocar na pele
As lágrimas duma guitarra

Dizem que é greve da fala
Esta vontade que tenho
De só escrever as palavras
Que te pretendo dizer
Dizem que os lábios se colam
Tristes por não poder
Cantar o fado que trago
No peito quase a morrer

Deixa-me por favor cantar
Enfeitar o ar com voz
Deixa-me ser albatroz
E voar pelo meu sonho
Deixa mostrar que sou eu
Deixa-me chegar ao céu
Azul lindo, cor de opala
Acariciar a lua
Ser a princesa tua
Findar a greve da fala

14.4.11

Exercícios para esquecer o amor

Há exercícios para esquecer o amor
Como por exemplo
Engolir borboletas de muitas cores
Deixá-las voar por dentro
E senti-las em voos rasantes
No coração já desfeito

Depois
Beber a água toda do mar
Agitar, fazê-la evaporar
Até salinas de dor aflorarem aos olhos
Que pousados em horizontes sumidos
Perdem o jeito de ver
Reduzem no corpo os sentidos
Fica a alma a anoitecer

Há também o fogo-fátuo
Metano ateado a preceito
Que não se apaga com vento
E arde até ser cinza azul
Queimando tudo o que temos
Deixando nada no peito

Para esquecer o amor, há só um exercício perfeito...

9.4.11

Punhal que mata almas


Roubo o punhal que mata almas
E percorro as cidades dos fantasmas
Capital clandestina do pensamento.
Corro silenciosamente entre as sombras
Dos baralhos de palavras que se elevam
Em ruas de alcatrão desfigurado
Escondo-me em sebes de loucura
Quando o cheiro da mentira se aproxima
Querendo asfixiar os gritos
Que trago no peito por dizer

Quero matar-te, assassinar cada pedaço da tua alma que me apoquenta
Poder dormir sem o frio que se agita no quarto
Quando me visitas pela calada da noite
Que pouco calada, me acorda uma e outra e outra vez
Tentando enlouquecer o resto de descernimento que ainda tenho

Roubo o punhal que mata almas
Sem dor, sem sangue, sem sofrimento
De lâmina ténue e afiada
Que só brilha quando a lua suicida
Se mergulha na janela estilhaçada
Do sono que vive inquieto

Procuro coragem pr'a te matar
Alma fantasma que me tortura

6.4.11

prendes-me a ti

Prendes-me a ti em teia transparente
De querer (e não querer)
Colo-me em mel suado que escorres
Enleio-me nos teus beijos de língua quente
Derreto-me no calor envolvente
Das noites quentes de Verão
Estreladas
Saboreadas
Lentamente prolongadas
Por horas curtas roubadas
Aos tempos de solidão

Prendes-me com luvas rendilhadas de cinema
Negras (de querer)
Dedos lânguidos que provocam
Espreitando
Tocando
Arrepiando
Arranhando (por querer)
Pele carente, ansiosa por te ter

Tenho-te na seda tecida
Do lençol em desalinho
Tenho-te aos pedaços
Nos tempos que nos separam
Nos tempos que se baralham
Nos tempos de querer
(e não querer)
Quando te tenho nos braços