16.5.11

Versos de amor



Volto a escrever versos de amor
Agora sem destinatário
Orfãos, sem sentido, sem razão
Que entrego solenemente nos "perdidos e achados"
Como se fossem
Óculos de cego encontrados num banco de jardim
Carteira Chanel de senhora, cheia de rebuçados
Perna de pau de pirata, corroída pelo mar
Um livro meio rasgado
Que dizem ter sido roubado
Do meu ser

Os meus versos são agora livres
Panfletos do concerto de um cantor revolucionário
Espalhados pelo chão ao sabor do vento
Numa cidade vazia
Fria
Na minha rua deserta
Onde certa, mesmo certa
Só a sombra de alguém, mulher
Que vejo da minha janela

Já pensei que pudessem ser para ela
Estes versos de amor escritos como charadas
Com palavras cruzadas
Amarradas
Num corpo perdido sem alma
Em sequestro, em chantagem
Em escrita encriptada
Com nome apagado ou trocado
Por acção propositada

Mas não
Não, não
Os versos não são para ela
Não para aquela donzela
Cuja sombra é tão certa
E vejo todas as noites
Quando me ponho à janela
Volto a escrever versos de amor
Decididamente discretos
Mas como agora, revolucionário
Os versos que escrevo não têm destinatário

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