7.12.11

fio



"A Chinese proverb says an invisible red thread connects those destined to meet, despite the time, the place, despite the circumstances. The thread can be tightened or tangle, but never be broken."



e um só pássaro de fogo voava
um só fio vermelho transparente
no bico
flutuava
era o desenrolar da minha alma
que em novelo
vivia, ao lado do coração
linha de sangue
indelével
esvoaçante
ondulante, no vento que não tem norte
mas com sorte
tem tempo, como o mar
em imensidão

um só pássaro de fogo
voava
um só fio vermelho
flutuava
inquebrável
e, inevitável
(reparei)
na outra ponta
estava a tua mão...

1.12.11

pedaços de inverno

pedaços de inverno
despegam-se dos céus
e das faces das pessoas
e das casas que enregelam
e dos dedos que se gretam
e dos corpos que se cobrem
e das mentes que congelam
e dos mares que se revoltam
e dos lagos que hibernam
e das árvores que agora choram
mil e uma folhas caducas
que alagam de velhices
os caminhos que percorro
pássaros mortos nos passeios
com sorrisos frios nos lábios
e cantos abafados
pousados
nas pautas do cimento
pouco antes de morrer
pedaços de inverno
despegam-se em Dezembro
escorregam
pelo fio dos dias
navalhas emaranhadas
que fazem o tempo esquecer
as faces
e as casas
e os dedos
e os corpos
e as mentes
e os mares
e os lagos
e as árvores
que ficam com os braços a doer

pedaços
traços
regaços
abraços
cansaços
de inverno
que me levam, ao entardecer

22.11.11

foste-me



foste com um beijo desprendido
na janela dos meus lábios

foste
ficando aqui algemado
pelo brilho dos teus olhos
na escuridão da saudade
foste
e o tempo simplesmente parou
carente, se encostou
à imagem que deixaste
foste
e a eternidade ocupou o espaço
que definitivamente pertence
ao teu sorriso
foste
quando os fragmentos de luar
caiam sobre a cidade
e miríades de gotas de luz
vieram molhar-me as janelas
foste
e fiquei sem as histórias
que tens sempre nos teus dedos
e os medos
escondidos
vieram morar comigo
bandidos
violando o meu abrigo

tenho a alma com um frio
que planta um arrepio
na pele já desesperada
tenho os olhos com agruras
tenho as noites às escuras
e o cheiros dos abraços
entornados pela casa
tenho passos
de fantasmas fugidos do outro mundo
tenho um vazio profundo
a cavar dentro do peito
foste-me
com o teu jeito
perfeito
de me deixar moribundo

17.11.11

números de outono


O Outono chegou preguiçosamente à cidade, com chuva de números miudinhos, quase imperceptíveis, que molhavam as folhas virgens de papel, estendidas na minha varanda.Um perfume numérico invadiu suavemente todas as ruas há muito desejosas de novos cheiros. As paredes dos edifícios entretinham-se a contar desordenadamente os algarismos. Ao sabor de cada gota aleatória deslizante, tentavam adivinhar sequências matemáticas que lhes colocassem sorrisos de felicidade às janelas. Sequências não monótonas, limitadas superiormente por telhados algébricos vermelhos e inferiormente por graníticos passeios que se transformam em rios onde os números, em brincadeiras irreverentes, se organizam em progressões aritméticas. As operações simples saíram dos cadernos da primária e pasmadas olhavam para aquela desorganização numérica sem perceber se alguma regra prevalecera na determinação da ordem. Repórteres dos jornais fotografavam. As televisões interrompiam emissões e em directo, davam conta do acontecimento matemático, num Outono até ali seco de eventos que justificassem intervenções não programadas. No céu ainda carregado de cinzento, uma plateia de figuras esfumadas riam, trovejando com pigarro atravessado nas gargantas. Os contornos eram lineares e brilhantes, relâmpagos desenhando Arquimedes, Bernoulli, Copérnico, Descartes, Einstein, Fibonacci, Galileo, Hook, Jacobi, Kepler, Lagrange, Newton, Pitágoras, Riemann, Thales, Weber, Zenón… sequência alfabéticas, interrompidas aqui e ali por ausência de nomes entretidos a sonhar. Eu, ando por ali, registando loucuras. Conto, descubro, equaciono, seco as folhas de papel desvirginadas pelos números miudinhos que choveram numa cadência poética dum Outono que preguiçosamente chegou à cidade. Neles descodifico este texto que não sendo perfeito é por certo uma sequência limitada e finita de palavras criptograficamente deixadas pelos poetas que matematicamente, dos céus, me contemplam…



NOTA: Desafio lançado pelo Clube de Matemática ao qual respondi com um gosto muito especial atendendo à minha formação mais virada para as ciências do que para as letras. Neste exercício mensal, pretendo, de alguma forma, ''casar'' a Matemática com a Poesia... vamos ver no que dá...

11.11.11

se eu morrer



escuta amor
se eu morrer
estarei perto do céu
e os meus últimos beijos
irão chover sobre ti
inundando-te aos poucos
com águas dos meus desejos
as conversas
voltarão a nascer no teu jardim
e à noite
quando não conseguires dormir
apanha-as só para ti
na mesa, terás cerejas
ao jantar, a luz das velas
derretendo o teu sorriso
rio que eu preciso
ver correr só para mim
escuta amor
se eu morrer
não sei se me vais ver
serei vento, serei mar
serei tempo, o tear
onde estenderás devagar
as nossas pequenas histórias
e entrelaçando os finais
que ficaram por nascer
encontrarás os sinais
que eu receei te dizer

escuta amor
se eu morrer
este poema é só teu
cuida dele com teus dedos
deixa-o falar nos teus lábios
como se ele fosse eu

3.11.11

sem luzes




apagam-se as luzes todas
vedam-se as linhas milimétricas
por onde as trevas se podem libertar
e de mãos fechadas agarramos a noite
pintando as paredes de alcatrão
onde deixamos os pensamentos aterrarem em manobras de diversão
evitamos o esvaziando do negro que queremos nosso
e a cama, um lago escuro
reflecte os sentidos que se banham em alerta
apagam-se as luzes todas
e o teu cheiro perde vergonhas
despindo-se do teu corpo para me vir perfumar
sinto de olhos fechados, os teus dedos a brincar
sinto o sorriso nos teus lábios conquistados pelos beijos
que, esvoaçantes em torno do desejo
se deixam ardentemente morrer
sinto a tua pele arrepiada
sinto o teu cabelo alisado por conversas
sinto o coração perto da boca
e a tua boca com palavras afogadas, tentando sobreviver

apagam-se as luzes todas
e os teus olhos acesos
encandeiam a noite
que fizemos acontecer