31.5.09

borboletar (voo VI)

(escultura: Maria Leal da Costa)

Voar diferente, sem rota,
perfumado no pousar,
por causa de uma flor,
que se teimou em cheirar.
Não creio poder ser voo,
insisti em encontrar
uma palavra formosa,
parecida com uma rosa
para o teu “borboletar”…

asa ferida (voo V)

(escultura: Maria Leal da Costa)

Queria atingir o perfeito,
sair de dentro do peito
ser livre, poder sonhar.
Foi impedida pela vida,
que cruelmente aguçada
fez cicatriz alinhada,
na asa do seu voar.

asa solta (voo IV)

(escultura: Maria Leal da Costa)

Asa solta também voa,
mas ficamos sempre à toa,
quando a vemos a chorar.
Passa por nós suplicando,
imagina-se voando
mas não tem onde pousar

asas do coração (voo III)

(escultura: Maria Leal da Costa)

Asas que voam e se fundem
dentro de um coração,
são por certo um sofrimento
que não sai do pensamento
e nos leva à solidão

29.5.09

voar envergonhado (voo II)

(escultura: Maria Leal da Costa)



Era pássaro sem voo,
timidamente esboçava,
movimentos de voar.
Saltitava
chilreava,
tão bem que ele cantava,
mas aquele ar acanhado,
com perfil de mal alado
só lhe permitia ter
só permitia traçar
um voar envergonhado
e um reduzido viver.

voo pousado (voo I)

(escultura: Maria Leal da Costa)

Também o voo pousado
nos faz mudar de lugar
leva-nos ao mundo sagrado
que algures está guardado
para nos fazer sonhar…

26.5.09

aeroporto de escala


Esperas, longas esperas,
são exercícios de mente
resolvidos calmamente
em aeroporto de escala.
Cheio de ruído e de gente,
consegue manter-se indiferente,
não imaginando os fantasmas,
que trago dentro da mala.

Solto-os de uma assentada!
São figuras coloridas
de faces muito diversas,
que agrupo como peças,
de “legos” para crianças.
Construo histórias, sem pressas,
faço banda desenhada
que quero ver premiada
em festival de loucura,
pela sua investidura
na demência estruturada.

Neste transe evolutivo,
desenho de modo instintivo,
alguém, à tua imagem.
Materializada p’ra mim,
corre a fazer o “check in”
e vem comigo em viagem.

22.5.09

brinquedos na bagagem

As palavras invadem constantemente
o espaço que habito.
Instalam-se por aqui, sorrateiramente,
aproveitando fraquezas,
há muito transformadas em mito.
Usam ardilmente a ocasião,
pulverizam com tristezas
o ar que as acolhe com bondade,
mas pelo peso (lei da gravidade),
acabam espalhadas pelo chão.
Uns dias tropeço nelas, outros não.

Tomam formatos estranhos,
povoam cantos parados,
encarnam alguns objectos,
importantes, mas pouco usados.
Por vezes são sons e cheiros
que perfumam meus sentidos,
trazendo sinais inteiros,
ou partes de tempos idos.

São livros empoeirados,
são bilhetes de cinemas,
são fragmentos de temas,
um dia abandonados.
São caixas cheias de tralhas,
algumas contêm gralhas
e acidentes da vida.
Quando as abro, voam sonhos,
pousam na alma vazia,
compondo, em aparência,
uma séria sinfonia.
Uns dias são sonhos negros,
de movimento medonho,
outros dias, muito "allegros",
de som solene e risonho.

Num lugar especial,
estão as saudades VOSSAS,
abraçadas entre si.
Recordam mil coisas nossas;
são sorrisos em papel,
são memórias imprimidas
e experiências vividas,
permanentes e aqui.
São brinquedos que transporto,
sempre na minha bagagem,
são bocadinhos de ti,
que levo p'ra cada porto,
quando ando de viagem.

15.5.09

frascos de perfume

Frascos de perfume, usados,
estão em ordem enfileirados
na minha estante de entrada.
Com gotas perdidas no fundo,
sem se mostrarem ao mundo,
estão imóveis na parada.
São meus valentes soldados,
usam esta prateleira
como autêntica trincheira,
não se mostrando cansados.
Vão ter luta estilhaçada,
vão ter batalha suada
duma guerra perfumada,
partindo-se em mil bocados.

8.5.09

gosto de mãos


Gosto de mãos, de olhar,
gosto de observar.
Não me fazendo notar,
suspendo o respirar
e sigo atento, trajectos.
Fico parado, suspenso,
tentando adivinhar
quais serão os seus afectos.
Fixo-as, vejo-as dançar,
acompanhando palavras
soltas por um discurso,
ou ditas num murmurar.

Apanho-as já desatentas,
na multidão de um café,
assim pousadas na mesa,
cheias de solidão acesa,
depois da falta de fé.
Sinto-as quentes, suadas,
com tremura e aspereza,
contando batalhas passadas,
pelos dedos da tristeza.

Mão na mão, desenho almas,
umas loucas, outras calmas,
muitas delas mal amadas
com cicatrizes saradas,
à pressa pela ilusão.

Gosto de correr as linhas
da palma de uma mão.
Abertas, desencontradas,
sinuosas, generosas,
algumas mesmo trocadas,
que sendo encruzilhadas,
podem indicar caminhos,
que levem ao coração.

3.5.09

vontade de ser mãe


Apareceu, eu asseguro,
como vontade de Verão.
Começou a despontar,
como grilo a despertar
e entrou no coração.

Aparecia de surpresa
era vontade ensonada,
algo que a mantinha presa,
ficando assim plantada
no meio daquela incerteza.

Depois tornou-se diferente,
a vontade já vivia,
dentro da sua existência.
Acordava, adormecia,
brincava, pontapeava,
no oposto do regaço;
e ria, muito se ria,
quando ela se encolhia
no meio da noite fria
procurando um abraço.

Era algo que crescia
em todo o corpo se via.
Vontade concretizada,
daquelas que mulher tem.
Seus olhos sempre brilhavam
quando ouvia siderada
que a vontade que hoje tinha
era aquela de ser mãe…