29.4.09

os papéis da minha cama


Durmo com papéis espalhados pela cama,
restos de nada, detritos de tempos,
bocados de pensamentos
que se afundam em lençóis, atentos
ao respirar do meu dormir,
aos sinais vitais do meu sentir,
aos sonhos cinzentos que hão-de vir.

Durmo, contando carneiros, sem paixão,
que pululam nos papéis da minha cama,
ausentes de inspiração,
"corneiam" o coração
e saltam pelo meu inconsciente.
Passeiam pela alma,
incomodam o presente,
e roubam-me toda a calma,
que possa ainda ter,
que me permita escrever,
um poema inteligente.

Durmo nos papéis da minha cama,
cansado das confusões,
que mataram as minhas convicções.
Subitamente, uma luz em chama,
acorda-me incendiando as emoções.
Risco à pressa sentimentos,
atiro à toa uma série de lamentos
e procuro, apressadamente, alguns alentos,
em papéis espalhados pela cama.

26.4.09

tua ausência

Hoje a tua ausência, instalou-se em mim.
Sentou-se na minha alma, e descarada,
ficou a ouvir bater meu coração.
Libertou-me no entanto da corrente,
que se instalara na minha mente
e me prendia à solidão.
Contou-me histórias de fascinar,
levou-me para outra dimensão…
Sorrindo, pôs-me a sonhar.
Depois, quase a reinar
assistiu à minha incontida emoção.

Murmurou coisas difíceis de entender,
disse versos acabados de fazer,
e ainda agora, ao escrever,
sinto-a por dentro, a remexer.
Sinto-a presente, faz-me tremer…

Com tanta inquietação, não vou dormir!
não vou parar de a sentir
provavelmente vou-lhe cantar
uma canção de embalar.
E quando ela serenar,
vou-te pedir, mesmo rogar,
que amanhã, se deres licença,
quero antes ter, tua presença,
para com ela, me sossegar…

23.4.09

de olhos vendados


Vendo os olhos,
fecho as pálpebras
deito-me a adivinhar sentidos
dos caminhos percorridos,
dos trilhos calcorreados
por anos já decorridos.
Cem vezes foram pisados,
sem tempos foram perdidos,
cem casos desperdiçados
sem prantos foram sofridos.

Contorno esquinas de dor,
conto pedras da calçada
que pavimentam a alma,
à noite, pela calada.
Sei-as bem, sei-lhes a cor,
cada linha, sua textura,
seu escolho, cada fractura,
que tacteio com brandura,
evitando com candura
padecimentos de amor.

Procuro voz que me acalme,
Que me sossegue e me mime
que me leve desta estrada
onde sem querer me perdi.
Onde as casas sem janelas,
destas íngremes ruelas,
querem-me vendar com elas,
para não te ver a ti.

19.4.09

sorriso encontrado

O meu sorriso sorrindo,
partiu correndo, e foi ver
se te encontrava a sorrir,
se te encontrava a sofrer…
Entrou sem tu teres sentido,
pisou teu lugar preferido,
sentiu desejo perdido,
viu sinais do teu viver.

Leu um poema esquecido,
pousado na cabeceira;
tropeçou na brincadeira
que encontrou pelo chão;
percebeu o lado triste
que trazes no coração.

Tentando que tu repares,
lança um sopro ondulante
sobre chama de canela,
que com um gesto dançante,
insinua-se arrogante,
mantendo-se de sentinela.
Gosta de se ver a arder!
Com piromaníaco prazer,
acelera o derreter,
consome-se em curto instante.
E tu, um pouco distante,
resolves fechar a janela
como se pudesse ser ela
a causa daquele mexer.

Só teu sorriso notou
que o meu queria notar-se
sorrindo por ti, docemente,
decidiu aproximar-se.
A medo lá esboçou
um sorriso grande, evidente,
mostrando que acredita
poder sorrir novamente.

12.4.09

mulher real, fundida em sonho


Bateste na janela do meu quarto,
despertando o meu adormecer,
sem ruído, sem medo e ao de leve
anunciaste que serias muito breve,
mas vinhas com vontade de te perder…

Pairavas serenamente e quase nua,
envolvida por ténue luz de lua,
que te beijava ao som do seu brilhar.
No pescoço, orgulhosamente tinhas,
fios de luz pendente e em linhas
tecidas com belas cores de enfeitiçar.

Entraste deslizando calmamente,
tocaste nos lençóis frios da cama,
senti a tua pele ardendo em chama,
deixando um rasto lânguido e quente.

Por seres mulher real, fundida em sonho,
que invade ousadamente o meu lugar,
não posso esboçar um só lamento
não posso partilhar o pensamento,
deste desejo em mim, de te abraçar…

11.4.09

a besta

(http://www.24heures.ch/galeries/funerailles-nationales-victimes-seisme)


Tremeu a terra e não devia,
surgiu com ordem para matar,
usou em ti tal violência,
levou-te logo sem avisar.

Fendas abertas, durante a noite,
fizeram negro o teu luar,
traíram cedo, tua inocência,
roubaram céleres o teu sonhar.

Matou-te o monstro, cobardemente,
tirou por querer teu respirar,
tu ripostaste, heroicamente:
a besta não te ouviu chorar…


“Impressiona ver 205 caixões alinhados uns ao lado dos outros. Impressiona ainda mais ver os pequenos caixões brancos, com corpos de crianças, colocados em cima das urnas dos seus familiares. António, a vítima mais nova entre os que perderam a vida para o sismo, faria hoje cinco meses. Os caixões, colocados em frente ao altar, foram rodeados de flores, mensagens e brinquedos, em memória de uma alegria para sempre desaparecida. „
o anjo de Aquila

8.4.09

flor re-inventada


À espera de um sinal,
de uma estrela cadente,
de um anúncio de jornal,
de um toque diferente,
de um sussurrar ao ouvido,
de um beijo escondido,
com sabor doce a jasmim,
que me fez sentir perdido,
por senti-lo só p’ra mim.

À espera de um sinal,
de um poema perdido,
de um livro ancestral,
do meu doce preferido,
de uma escolha acertada,
de uma história encantada,
que um dia escrevi,
sobre uma flor inventada
hoje colhida p’ra ti… 


6.4.09

o teu nome


Não sei teu nome,
Sem ele, será este poema:
- impessoal;
- descaracterizado;
- banal;
como cena de mau cinema,
em sequência final.

Tentei palavras,
nos livros da minha estante.
Tentei nomes de flores e sentimentos
que pudessem encaixar, em ti
que me dessem novos alentos...
Andei perdido, fiquei distante
e simplesmente,
não consegui!

Tentei jogar com pistas dadas,
algumas letras enfeitiçadas,
muitas palavras desordenadas.
Com número de profecia estranha,
que encontrei por aí,
pensei fazer essa façanha,
mas, sem ti
não consegui!

Tentei, por fim, banir o C!
Li poesia atual.
Conjeturei, de um modo lato,
dificilmente reconheci,
que com acordo gramatical,
existe só um simples fato:
descobrir teu nome,
não consegui!

5.4.09

rio que corre indiferente


O rio corre indiferente,
a quem passa pelo rio.
Eu, parado, te observo,
te adivinho doce e frio,
como o gelo que navega,
passeando devagar,
indiferente ao olhar.

Quantos segredos tu levas?
Quantas tristezas se prendem,
nos escolhos destas margens?
Quantos amores vão perdidos,
entre estes ramos partidos,
que trazes de longes paragens?

Eu, parado, te observo,
Acho mesmo que te invejo,
por não saber o que vejo,
no rio do meu desejo,
nesta vontade tremida,
sem destino e sem jeito,
que parece alma perdida,
à procura do seu leito.

Tu segues sempre indiferente,
não ligas a essa gente,
que pr’a ti corre a chorar.
Tens um encontro marcado,
nunca, jamais foi falhado,
com o teu amigo, o mar.

Ele mexe-se agitado,
ameaça o pescador,
que teima sempre em passar.
Transpira suor salgado,
funde-se em céu apagado
desta noite sem luar…
Com vontades ansiosas,
conta as ondas temerosas
que faltam p’ra te abraçar…

3.4.09

roubei-te uma flor

Hoje roubei uma flor
que tu tinhas à janela,
julgando que assim ficava,
com o amor que tens por ela.

Senti-me dono do mundo,
sonhei com a Primavera,
fiz um jardim no meu peito,
pus minh'alma, à tua espera.

Hoje roubei uma flor,
abracei-a com carinho,
ela sorriu para mim,
e disse-me assim, baixinho:

hoje roubaste uma flor,
e cometeste um pecado,
deixaste longe de ti
coração despedaçado.

Corri para o meu amor,
que chorava amargurado,
beijei-o ao de leve na face,
e cantei assim este fado:

hoje roubei-te esta flor,
e amei-te no jardim,
que construí no meu peito,
escondido, só para mim.

Hoje roubei-te esta flor,
que tu tinhas à janela,
julgando que assim ficava
com o amor que tens por ela.

(fado para ti, também...)

1.4.09

fragmentos de ti

Hoje procurei um sinal teu.
Hoje o meu perfume mudou de cor,
por não sentir o teu amor.
A luz do dia, essa mesmo, infalível e soberana,
desapareceu.
Justificou-se depois, com dor:
tinha falta do teu calor.

Hoje não ouvi sons que me fizessem:
- matar saudades de ti;
- imaginar coisas que antes vi;
- lembrar poemas que já li.
Hoje, simplesmente,
não te tive aqui.

Hoje as tuas mãos foram fantasmas.
Os teus sinais foram borrões,
inundando a alma de saudade.
Hoje o teu corpo passou por mim,
devagar,
a sonhar,
a pairar,
como um fragmento,
que ao sabor do vento,
me leva o pensamento,
p'ra junto de ti.