19.12.09

dou-te

dou-te o brilho dos meus olhos
reflectindo o luar
da lua que logo se enche
quando te vê a chegar.
dou-te as palavras que escrevo
com riscos de luz ardente
tinta de estrela cadente
derramada em rasto quente
aos pés do teu caminhar.
dou-te um sorriso doce
que usas numa colher
mergulhada no café
de manhã, ao acordar.
dou-te um beijo que perdi
nos dedos da minha mão
quando sem querer me esqueci
de soprar-to ao coração.
dou-te um desejo velado
enfeitiçado por ti
que se deixou embrulhar
numa carícia dual
para poderes pendurar
numa árvore de natal


jóias

foto: Paulo Queiroz (www.olhares.com)

jóias, marcas traçadas por dedos
impressões de alma, a quente
sentido eloquente
que arde em viva chama.
são sempre sonhos diferentes
trabalhados por poetas
que fazem as descobertas
do sorriso e da forma
são sinais das nossas gentes
com posturas fluentes
moldadas em sois poentes
fundidos nas nossas almas
são jóias que nascem belas
e assomam às janelas
que dão luz aos corações
são jóias que riem e choram
jóias que também coram
quando invadidas por gestos
carinhos e emoções

14.12.09

gramaticando


entrei na floresta das palavras
para colher e te trazer este poema
caminhei com sentidos apurados
atento aos perigos malfalantes
afastei as orações subordinantes
e abati os atributos afiados

lutei contra verbos tresmalhados
em combate organizado e paciente
procurando a beleza que pretendo
colocar nesta escrita inconsistente
que quero oferecer-te mal podendo
em papel de celofane transparente

bebi em charcos enlameados
por substantivos comuns envenenados
que poluíram as letras que escrevia
expurguei os artigos indefinidos
que nos tolhem, sem sentirmos, os sentidos
e nos deixam em profunda agonia

por ti, rasguei folhagem de gramática
escondi-me atrás da pragmática
misturei-me nos vocábulos da multidão
por ti, contornei morfologias
engendrei caligrafias
cultivei a abstracção
por ti, inventei a linguagem
para embarcar nesta miragem
e entregar-te a minha criação

8.12.09

palavras mudas

estou farto de não te ter aqui
farto de mão vazia de outra mão
farto das palavras por não dar
que se acumulam casualmente pelo chão.
palavras mudas num sussurrar
palavras envelhecidas por eu não ter
alguém que as possa apanhar
palavras que entristecem ao saber
que não têm ninguém para amar

estou sozinho cercado por vazios
por brancos, por ocos, por nadas em baldios
alma daninha com ervas de nostalgia crescente
que amordaçam vontades semeadas
sob a luz do derradeiro sol poente
em descampado de saudades recordadas

estou farto da minha inexistência
sozinho na minha consciência
com alma sufocada por vozes que não falam
mas como louco, as invento todo o dia
conversam com os dedos, fazendo-lhes companhia.
depois, as minhas lembranças de ti, não se calam
correm por aí, quase não param
fazendo um vento quente que arrepia
a minha pele que chora, nesta longa noite fria


6.12.09

gerúndios de vida



matando
saudades idas

limpando
suores da alma

queimando
velas perdidas
em noite apagada e calma

bebendo
loucuras tuas
ardendo
em febre calada
correndo
por restos de ruas
numa cidade arrasada

partindo
para o fim do mundo
mentindo
em versos que esqueço
sorrindo
quando chego ao fundo
da vida que eu não mereço


1.12.09

cidade fechada


prendo-me em pormenores
que me deixam acordado.
uns olhos entristecidos
molhados e recolhidos
num corpo atormentado,
uma mão quase indiferente
que diz adeus à saída
despedindo-se do amor
esbanjado numa vida,
um caminhar apressado
que imagino atrás de mim
desejo de ser tocado
num abraço aconchegado
num beijo doce sem fim,
uma montra iluminada
com um anjo, uma vela
e uma alma apagada
pousada numa janela.
prendo-me em ruas frias
da minha cidade fechada,
vagueando na passada
gasto horas, queimo tempo
cansando a solidão
que me trai o pensamento
e me faz sentir o vento
esfriar o coração

27.11.09

caminhada


aqui, do outro lado do espelho
segui os teus passos acertados
por batidas de tacões bem afiados
que deixam meus sentidos em alerta

as cores do Outono em sobressalto
abrem alas à tua caminhada
sob as árvores inocentes que se despem
expondo desejos que se abraçam
ao teu corpo de pele arrepiada
às folhas que no chão, já adormecem

“caminhando absorta em pensamentos”
em obscura e sentida madrugada
vejo os reflexos dos momentos
dessa tua imaginada caminhada
e sopro daqui uma vontade
entregando-te em brisa, esta saudade
de te sentires aqui, tão desejada

traz a tua “sombra alongada
de mulher segura que a precede”
atravessa devagar o meu espelho
quero a tua alma enamorada
saciando calmamente a minha sede

25.11.09

palavras enforcadas

foto: Mariah (http://www.olhares.com/)

passeio na tua mão
sinto teus dedos esguios
reconheço os teus, meus frios
perdidos em combustão.
vejo dançar os teus olhos
ouço teu medo saltar
acaba por tropeçar
nas cordas do coração

a tua mão tem sorrisos
que afagam minha pele
navegam linhas de vida
em mares de suores imprecisos
e numa rota perdida
encontram meus paraísos
fundeiam na despedida

estremece a tua mão
com ondas altas e soltas
das palavras adoçadas
que vagueiam com escoltas
e acabam enforcadas
nos lábios das nossas bocas

18.11.09

a morte veio jantar


a morte sentou-se e jantou comigo
riu-se da vida
de forma descomprometida
e contou como cresceu.
falou do mundo perdido
brincou com os dedos
esperando a sopa
de almas desentendidas
perfeitamente perdidas
boiando entre legumes.
bebeu sangue inocente
e partiu em bocados, corpos já mutilados
que engoliu sofregamente.
a morte não me ouviu, só falou, falou
sem cessar
não tem ouvidos, tem boca e unhas afiadas
não aparadas
com bocados de destinos por limpar.
a morte cheirou-me mal
infestou meus sentidos
sem se deter
bebeu litros de café
para não adormecer
vomitou agoiros no ar
e saiu antes da sobremesa
prometendo que nos havíamos de encontrar

16.11.09

não sei

foto: Marta Ferreira (http://www.olhares.com/)

sabes, não sei se venho a tempo
não sei se o atraso é fatal
se o destino que morre
na desesperança infernal
se reescreve em palavras que cobiço usar
para te fazer sorrir e ver-te ficar

não sei se a demora
pode parar o curso do rio, agora
não sei, se o sentido do vento
que se adivinha forte
pode mudar a minha, e a tua sorte
sei sim, que pode sufocar-nos de um modo lento
pode trazer corvo sedento
que nos arranca a carne, ferindo-nos de morte

sabes, é pena talvez ser tarde
é pena ser hora de fechar o pensamento
acabar com o último lamento
e sedar a alma que teima em voar.
não sei se o atraso é fatal
não sei se me perdi no teu sorriso intemporal
se me droguei com o verbo imaginar
ou simplesmente bebi cicuta para não te poder amar

13.11.09

fui voar


contemplo o céu fixo e constante
a cada passo em cada instante
tentando como perceber
o alcance desta imensidão
que faz voar o coração
e deixa a alma ofegante
pergunto como o abraçar
e descobrir, os seus segredos
fico ansioso, não sinto medos
mas quero nele velejar.
quero o calor de um trovão
quero beijar só uma estrela
chegar à lua que é tão bela
dizer baixinho que gosto dela
depois tocar-lhe e dar-lhe a mão
e em delírio tresloucado
contei meu querer, tão desejado:
quero ir ao céu, sentir o cheiro
do mar que paira por inteiro
enublado, sobre nós.
esta vontade de navegar
abriu teu peito, fez-te sonhar
da pedra dura, cinzel, a sós
numa quimera, a cintilar
fizeste asas de encantar
e no azul, eu fui voar

(poema criado para a exposição de Maria Leal da Costa)

olhos difíceis de dizer


os teus olhos são difíceis de dizer
pouso neles quando estás para chegar
ou não estando, decido trazer comigo
compêndios de achar abrigo
(des)regras para sonhar
e assim,
procuro palavras belas
cores que espreitam em janelas
flores desabrochando
nas gotas do teu olhar

os teus olhos são mares de azul
molhando sorriso doce
nuns lábios com tais contornos
que apetecem beijar
são ventos de sabores mornos
que correm durante as noites
amargas e sem luar

quero os teu olhos fitando
os meus, mesmo sem cor
quero colorir com eles
o céu onde, como um bando
de aves em assumido desmando
voam fragmentos de amor

6.11.09

águas mortas

foto: Carlos Lima (http://www.olhares.com/)

vagueio por partidas e chegadas
em viagem solitária e incerta
corpo perdido e alma descoberta
errantes como brisas desmaiadas

encontro portos secos sem amantes
com barcos atracados por instinto
dos capitães cegos, delirantes
levados por correntes-labirinto

sou marinheiro oculto em velas rotas
movidas por um vento-nevoeiro
que cobre o oceano traiçoeiro
fazendo afundar almas vividas
(outrora criaturas destemidas
agora sufocadas em águas mortas)

fantasmas de navios que apodrecem
carregados de tesouros já sonhados
destroços de desejos, aos bocados
levados por marés que amanhecem
quando tocam, quando molham, quando sentem
os meus olhos ainda acordados

28.10.09

vício de ti


vicio-me em ti
como droga leve que fumo devagar
inspiro o ar que tu libertas
e deixo o teu cheiro a pairar
na alma que tenho aqui
hoje, dentro do peito
alindada a preceito
ressuscitada por te imaginar

bebo-te em tragos
de vinho adocicado, novo
com saudades fermentando o paladar
lembranças do tempo em que te provo
pecado de gula que renovo
antecipando agora o teu chegar

presenteio-me com beijos imaginados
de luz, água, terra, vento e mar
beijos de matéria que me abraça
sentida em presença arrepiante
que me toca mesmo sem tocar.
beijos sufocados por desejo
raro, belo, doce, meigo, forte
que fechando os olhos vejo
escorrendo em palavras no olhar


24.10.09

cofre de dilemas


hoje destroço-me em saudades
morro, aos bocados, diluindo-me em lembranças
não sei se são falsas verdades
simplesmente mudanças
de sol, de lua, de poemas
que em metamorfoses de esperanças
jazem em cofre de dilemas

hoje estou sozinho, em vazios de tempo e espaço
sou actor de filme mudo
onde aparece um miúdo
clamando sofregamente por beijo
que desejo
dado por ti, em abraço.
hoje, sou lábios desenhados em tela fria
lágrima quente em poesia
despida de ousadia
limpando o meu cansaço

espero por silêncios que falem
que me acordem, que me tragam emoção
que me toquem, me arrepiem
me tirem da letargia
inundem alma vazia
com mares cheios de paixão

22.10.09

cor-de-laranja


depois dum curto delirar
liberto aqui, neste poema
a cor da lua apaixonada
fundamentada em teorema
de três palavras e um dilema
que escrevo neste versejar

a cor que pinto como charada
e com palavras em desatino
deixa perfume de citrino
uma acidez mal acordada
deixa um perfil bem feminino
beijando o mar na madrugada

tonalidade descascada
por faca doce de luar
traz a fragrância que se arranja
em matiz nova, cor-de-laranja
nascida aqui para te dar

17.10.09

amarelo

foto: Artur Ferreira (www.olhares.com)

eu durmo em lençóis de girassóis
amarelos com sorrisos rotativos
as pétalas mantendo-se brilhantes
entontecem as almas dos passantes
que lançam seus olhares mais afectivos.
aqueles amarelos ondulantes
que drogam em brisa meus sentidos
quando chegas, ficam loucos e perdidos
surpresos sob airosos céus azuis
repudiam o antigo movimento
passam a girar, mesmo sem vento
em volta do sol que tu possuis

12.10.09

de costas voltadas para o céu

foto: Pereira Lopes (www.olhares.com)

passeio entre pontes da cidade
plantadas em margens que não vejo
pronuncio o meu último bocejo
enquanto conto arcos do passado.
no mergulho do destino desenhado
engulo água fria que estremece
com queda desejada que acontece.
com salto depressivo e planeado

no estrondo do meu corpo em colisão
adormeço em repouso bem profundo
tomo forma de casco moribundo
ruído por milhas navegadas
em correntes escuras, revoltadas
de noites submersas em solidão

o barco de carne inventado
transporta um sorriso acabado
estampado numa vela que é fantasma
veleja sem vento norteado
o destino foi já sorteado
e desenha à superfície um quiasma

de costas voltadas para o céu
quero em mim o abandono dedicado
daqueles que comandam o sentido
da corrente do rio poluído
por ódios que foram despejando.
vejo-me morto, assim, flutuando
nos dejectos dos sentimentos expelidos
por deuses que foram instruídos
em infernos por onde vão passando

9.10.09

vermelho

foto: Ana (www.olhares.com)

vermelho é fogo aceso
mesmo junto ao coração
por um amor madrugada
numa espera cansada
transbordando sedução.
luz do sol ao apagar-se
no mar de lamentação
ondas coral, agitadas
espumas desesperadas
buscando a tua razão.
gotas de sangue espalhado
por ferida sem sarar
cicatrizante esperado
em tempo quase esgotado
no beijo que tens p’ra me dar

7.10.09

cinzento

foto: Bruno Miguel Azevedo (http://www.olhares.com/)

cinzentos são os meus sonhos
distantes do verbo amar
são recortes (des)organizados
em alma por se encontrar
as cinzas dos pensamentos
acumulados em tempos
perdidos e por contar
enfileiram na parada
da memória acinzentada
traída por vão sonhar.
aguardam sono agitado
no corpo mal descansado
sem cama onde agarrar
e em posição militar
esperam sinal velado
da ordem pr’atormentar

2.10.09

verde

foto: Maria Isabel Batista (www.olhares.com)

verde
cor gritante em terra firme
acabada de lavrar
primavera mal pintada
no inverno por chegar
gotas de orvalho, lágrimas
sinais de estacão perdida
o outono, em despedida
sem tempo para ficar.
choro de cor, sentido
borrão de pincel caído
em tela por acabar

azul

foto: Sérgio Velho Júnior (www.olhares.com)

azul
pedaço de céu não nublado
recortado sem chover
esperança não perdida de te ter
quando o azul escurece devagar.
pintado o anoitecer,
perde luz, sem se importar
sem esperar cheia lua
(como a tua)
que nos meus olhos pousada
fica sorrindo parada
mantém-se acordada, a brilhar…

27.9.09

venha


venha
venha ensinar-me o amor
venha soletrar palavras
certas, curtas, ajustadas
venha construir em mim
sílabas arredondadas
que em carrossel de sentidos
me deixem sinais pedidos
nas trilhas tão desejadas

venha
venha murmurar dialectos
ponha-me tonto de afectos
vicie-me com seu fulgor
e me apague toda esta dor

quero ter adocicadas
promessas cor de compota
do fruto que não se esgota
nas almas apaixonadas.
venha, faça-as chuviscar
escorrendo, a deslizar
com leveza e com sabor.
derrame o seu calor
espalhando com prazer
os doces enamorados
acabados de fazer

venha
despeje sorriso em mim
venha abrir-me as janelas
guardadas por sentinelas
que cercam o coração.
venha, traga a sua emoção
entorne-a em enxurrada
pela minha pele gretada
por ausências de afeição.

venha
venha ensinar-me o amor
venha ser mulher flor
renascida em botão
na palma da minha mão

24.9.09

ser teus olhos

foto: Fernando Goytre (http://www.olhares.com/)

queria ser os teus olhos
para sentir o que vês
quando vagueias no escuro
do pensamento inseguro
que te invade de quando em vez

tocar tua pele clara
deslizar na tez marfim
sentir o arrepiar
da saudade a transbordar
derramada sobre mim

passear na tua alma
com dedos de algodão
encontrar os teus segredos
destruir todos os medos
abraçar-te o coração…

18.9.09

o poema morreu


hoje o poema morreu,
sangrando estrofes numa morte lenta
derrotado
abandonado
praticamente esmagado
por palavras duplicadas
casualmente encontradas
nesse canto apaixonado

hoje em procura desesperada
o poema descobriu-te enamorada
e lembrou-se, de repente
do que te ouviu dizer
de um modo convincente
do que sentiu ao te ler
tornando-se teu confidente
do que te viu escrever
desse jeito tão ardente

hoje o poema morreu
nos teus braços
de forma tranquila e calma.
paz à sua alma!

17.9.09

poeira temporal

foto: Paulo César (http://www.olhares.com/)

fotografo momentos com os olhos
que se imprimem na alma, câmara escura
com uma precisão sempre tão dura,
tolhendo-me os sentidos hesitantes.
são instantes que duram um segundo
tão longo como esta eternidade
perdida na contagem da idade
que torna o pensamento infecundo

são rolos de película a granel
cobertos por poeira temporal
que sopro espalhando em papel,
palavras de valor residual
riscadas em desenho duma vida

envolvido por luz enfraquecida
escrevo um poema casual
buscando a razão condicional
para retardar a despedida

11.9.09

solidão sentada

foto: Rui Soares (www.olhares.com)

percorro nomes de memória
numa solidão sentada
imagino faces, corpos, sorrisos, a passar
diluídos em tempos que se escoam entre dedos
perco-me em enredos
receio não mais os apanhar
preciso de sentir um respirar
preciso de uma mão
um bater de coração
uma pele com cheiro bom
que me faça arrepiar
preciso, talvez, do teu olhar
brilhando de madrugada
repousado em mim, ao acordar

e assim parado em solidão sentada
descanso a alma
espero talvez por nada

7.9.09

résteas do verbo amar

foto: Abner Paulo (www.olhares.com)

as tuas palavras bailam desordenadas
entre paredes vazias de alma ferida
entre notas flutuantes de despedida,
tocadas por cornetas afiadas

são rumores intermináveis d’ infinito
que ecoam eternamente como um grito
impedido de fugir à solidão.
derretem-se em fogo circunscrito
ateado por acto já prescrito
nas queimadas acendidas no verão

brados desesperados soam no ar
résteas gritantes do verbo amar
rangem entre chamas, vociferam alto,
embalam centelhas em sobressalto,
debaixo de fogo forte, difícil de apagar

ouço-o crepitar em poros de pele queimada
por ácido de paixão em gotas derramada
que me deixa expectante e acordado.
conto chagas em cada noite que passa
alimentando uma esperança escassa
de voltar a ser simplesmente amado

choro então, por beijo de saliva quente
curandeiro desta mágoa ardente
pousada em mim com tanta exactidão.
rói-me por dentro o coração
que bate desprendidamente
e me deixa aqui num viver ausente
perdido, descrente, em hibernação

5.9.09

saudade imensa de te abraçar


hoje não queria, assim, partir
perdendo no tempo, o teu sorrir.
hoje, por uma nesga, por entre corpos em Despedida
vi na tua face meio escondida
uma lágrima teimosa e proibida.
hoje, quase sem querer,
encontreI razão para viver.
talvez pressintas um vento norte
caprichoso e veloz, ensaiando a sorte
e que me empurra para junto de ti.

hoje (tu sentes) eu queria ser
a tua sombra e assim te ter
de dia, sem sOl, coisa singela
de noite, ao dormir, pintada por vela
que se esGota chorando com o teu chorar

aquele chorar, que hoje à partida
mesmo tão forte, deixaste ser mar
fez-me perdido, naufraguei sentido
sem resto de barcO onde me agarrar.
hoje (tu sabes) partindo partido
levei só comigo
esta saudade imensa de te abraçar

3.9.09

derreto chocolate no calor da alma


derreto chocolate no calor da alma
que escorre por dentro, espesso e devagar
percebo-o como doce lava a rastejar
que preenche espaços ocos, indecisos
ávidos dos sabores por vezes imprecisos
dos quadradinhos de amor
que partidos docemente
deixam cheiros a cacau dormente
viciam vontades e anestesiam minha dor

são segredos de sentidos combinados
são sabores que andam abraçados
beijos por vezes imaginados
teores de açúcar perdidamente apaixonados
que seduzem, que se fundem, que insistem
em me ter a mim, assim carente
esperando pacientemente o chocolate quente
derretido por ti, misteriosamente
no calor que me sufoca a alma

27.8.09

conversas mudas

foto: Nelson Rafael (http://www.olhares.com/)


o silêncio era rei naquele espaço
onde sons estridentes violavam
conversas mudas em compasso
de bocas que há muito recusavam
o caminho fácil e devasso

gestos de mãos doces esboçavam
poemas de palavras desenhadas
impressionistas telas bem pintadas
com movimentos flutuantes de amor

os dedos em linhas bem traçadas
riscavam para nós simples mortais
palavras transparentes bem talhadas
mostrando que as falas desvairadas
de gentes pequeninas e banais
não passam de notas mal tocadas
que usadas em registo delator
ensurdecem almas massacradas
provocando como espadas, tanta dor

26.8.09

uma mão

foto: Paulo Paulos (http://www.olhares.com/)

ruídos sincopados de carris
embalam docemente os sentidos
que descansam em olhares adormecidos
nas memórias acenadas duma mão.
olhando a janela distraída
do lugar sorteado onde me sento
avisto a imagem distorcida
sem face, sem corpo e num momento
reconheço tua mão embevecida
sorrindo para mim, dando-me alento.
ouço no entanto, já bem distante
um grito uniforme de agonia
que ecoa no cais e que atraía
agora um mar de solidão.
os azulejos choram, em sintonia
acabando com toda a policromia
que à partida alindava a estação.
ruídos sincopados de carris
turvaram de cinzento o coração
deixando marcado um acenar
longínquo e sentido duma mão.

15.8.09

sorriso de guitarra


teu sorriso tem desenho de guitarra
que gostava novamente de tocar
com meus lábios que sentem docemente
os teus, nesse terno musicar.
tuas mãos beijam leve, com carinho
as cordas que se agitam a sonhar
doze linhas de horizonte feitas linho
que se cosem com sentido no olhar.
vi teu colo abraçar com sentimento
o corpo da guitarra que agradece
esse jeito que é só teu e que eu invento
poder ser meu por um momento
deixar-me novamente com um cento
de beijos cor de mel para te dar.

13.8.09

por aqui, não tenho mar

foto: Paulo Gradim (www.olhares.com)

por aqui, não tenho mar
invento-o para sonhar
quando o quero ter por cá.
entre uma brisa amena
do teu azul ondular
imagino o teu olhar
colho a tua maresia
fico com uma mão cheia
de eterna poesia
feita de conchas e areia.
no meio, quase sem querer
encontro a pedra roliça
que gosto sempre de ter
e que recebi de ti
no dia em que te vi.

é meu rubi verdadeiro
quando feito marinheiro
o uso como argumento
fazendo dele intrumento
para convencer a terra
a deixar-me navegar
embora não tendo mar...

abraço-a na minha mão
vou em terna expedição
de olhos bem acordados.
vejo ilhas solidão
estrelas de ilusão
águas revoltas, espuma
encalho em aluvião
quando a tua face em bruma
me lembra quase a chorar
que não posso navegar
porque aqui, não tenho mar…

26.7.09

almas que passam

foto: Paula Antunes (http://www.olhares.com/)

da janela dos sentidos
contemplo as almas que passam
lendo corpos que trespassam
a aragem distraída
indiferente e serena
duma vida adormecida

são movimentos fortuitos
de almas sempre agitadas
que caminham delicadas
e habitam tristes corpos.
são seres que sem esperança
se mantêm nesta andança
por caminho moribundo
perdendo-se na distância
que os separa do mundo

vejo almas sofredoras
que fazem da dor um culto
e por causa deste vulto
(fantasma aterrador)
transformam num tumulto
coisa simples que é o AMOR

a minha alma à janela
adormece os sentimentos
cansada de alguns tormentos
que a prendem numa cela
embala corpo descrente
e aguarda paciente
que alguém se lembre dela

25.7.09

lembranças em papel

as lembranças em papel
estão pintadas por pincel
com verbo fotografar
são registos preto e branco
que enfeitam com encanto
as memórias que entretanto
foram talhadas no peito
cinzeladas a preceito
por um desvelado olhar

repousam quase esquecidas
em páginas amarelecidas
de cheiro antigo e a mofo
mantêm-se assim caladas
sem gemido sem lamento
paralisadas no tempo
mas sempre, sempre acordadas
esperando madrugadas
onde num matar de saudades
se sentem enfim libertadas
voltando a ser conquistadas
por tintas apaixonadas

voa o perfume da terra
o som do vento a soprar
um batuque belo e distante
que não para de tocar
são capulanas de cor
em negras cheias de amor
palmeiras entrelaçadas,
que sorriem a acenar
sensações de chuva quente
que correm numa torrente
em ruas que nunca esqueci
são lembranças em papel
da cidade onde nasci

24.7.09

chuva morna de verão


a chuva morna de verão
tomba em ti, cai devagar
pendura-se em muitas gotas
como artistas de trapézio
em cabelo que tu soltas
e com mortais de ar quente,
depois de um balançar,
escorre perdidamente
num sorriso envolvente
prendendo em ti, meu olhar

vejo os teus lábios molhados
imagino o sabor
sentido quando tocados
pelos meus, secos, fechados
sedentos do teu amor

desejo chuva constante
para ter em cada instante
teu corpo assim desenhado
em vestido em ti colado
traço as linhas dos teus seios
adivinho teus anseios
sou por ti enfeitiçado

numa pele arrepiada
que percorro lentamente
deixo marcas de desejos
solto o rasto dos meus beijos
em trilha delineada
numa provável ilusão.
são molhados ternamente
pela chuva irreverente
que te despe docemente
nesta noite de verão

20.7.09

por estares assim, tão longe

foto: Pedro Miguel Bastos (http://www.olhares.com/)

por estares assim, tão longe,
perdi em ti, meu abrigo
mergulhando neste perigo
de sentir perder o norte.
voo sem um passaporte
sem partida e sem destino
como mago clandestino
que prevê a sua morte

por estares assim, tão longe,
não te toco, não te cheiro
não sou mais aquele arqueiro
que te fere o coração
decreto a minha expulsão
rastejo, perco paixão
liberto a tua mão
e caio em desfiladeiro

em queda vertiginosa
(por estares assim, tão longe)
solto no ar meus desejos.
no vento que me sufoca
largo os meus últimos beijos
que chovem como lampejos
e enchem a tua boca

18.7.09

deves estar a chegar

fotografia: Susana Rocha (http://www.olhares.com/)

deves estar a chegar
para eu poder repousar
para me dizeres que o mar
de lágrimas minhas choradas
foram por ti apanhadas
serviram p’ra navegar.
deves estar a chegar
para eu te abraçar
e agarrares as saudades
que escorrem do meu olhar
quero que sintas na pele
num sentido arrepiar
palavras amordaçadas
que guardei, p’ra te falar.
há esperas condenadas
dores lavradas por sarar
conversas só murmuradas
porque deves estar p’ra chegar

15.7.09

ombro confidente


pouso a cabeça em ombro que não vejo
acreditando ser teu, o meu desejo
sinto teus contornos quentes e desenho inocente
um esboço consciente
da extensão do teu braço em carícias ternas sobre a face
minha, dissolvida em dedos, teus, num enlace.
recuso abrir os olhos, porque sei que a mentira
onde gostosamente me envolvo
acordará como um polvo
com tentáculos de ira
e a realidade cruel
terá por certo sabor a fel
contraporá com a pele sedosa e quente
que imaginada sinto, deliciosamente
beijando o meu ouvido,
adormecido
no teu ombro nu e confidente


noite escrava


com a noite escrava
chega a tormenta
que me violenta
corrosiva e lenta
escorre como lava

traz velhos fantasmas
que durante o dia
mostram apatia
dormem sossegados
porque estão cansados
estão em afasia

à noite, tomando-me a voz
de maneira atroz
forçam-me a dizer
usando o escrever
dum lápis feroz
palavras sem senso
dum doer imenso
rijas como noz

vem então a dor
neutra é a cor
duma poesia
onde o desamor
por não ter calor
sem grande esplendor
pousa em cama fria

12.7.09

calo-me


ardo canela em fogueira d’alma
contemplando a chama lenta
e calo-me
vendo cinzas que caem
de um modo que me violenta.
sinto o corpo consumido, pendente
em palavras mudas que murmuro amargurado
e calo-me
num silêncio consistente.
calo-me cansado, completamente esgotado
matando palavras que grito
palavras que por escrito
agora rasgo, queimo na fogueira do destino
e calo-me,
por ti, por mim, por todos
suspendo o meu pensar,
cancelo, não falo em lodos
que com instinto assassino
me fazem clandestino
e me obrigam a calar.



11.7.09

luz de terra cheia


aluguei fracção de lua, com cratera
p’ra onde viajo acordado
lá, sem restrições, o sonho impera
liberta-se do terrestre cadeado

plantei espelhos no jardim
suspensos em aragem de esperança
que reflectem, quando quero, só p’ra mim
sorrisos aluados de criança

em noites com luz de terra cheia
passeio lentamente pelos mares
de lua, vazios d’agua, e à boleia
cunho pés descalços na areia
e deixo minhas marcas milenares

quando exausto desta caminhada
relembro os apol(l)os da história
que com passos gravados na memória
fizeram jornada apaixonada
são gregos, etruscos e romanos
recentes americanos
que em esforços sobre-humanos
construíram sua, nossa, glória

9.7.09

os cheiros das palavras

foto: Sara Amaral (http://www.olhares.com/)

as palavras têm cheiros
que procuro assinalar
são bocados de flores
que encontro no sorriso
dum amor ao despertar;
são fumos que a chuva fria
quase que por magia
à terra vem arrancar;
são sinais de alegria
que não param de acenar
quando alguém está p’ra chegar

são gostos peculiares
por especiarias distantes
que em pequenos instantes
nos levam a navegar
galgamos em caravelas
as agitações do mar
as tormentas de poemas
temperados com pimentas;
são mostardas, açafrões
trazidos por marinheiros
de cantos aventureiros
à imagem de Camões

as minhas, quase inodoras
passam dias, passam horas
a tentarem-se alindar
usam perfumes da moda
aromas de pôr à roda
fragrâncias de aconchegar;
são metáforas singelas
que pinto com aguarelas
e uso para adoçar

as palavras que hoje tenho
tento usá-las com engenho
tento pô-las a bailar;
são bálsamos de poesia
com rastos de maresia
mas são só para cheirar

7.7.09

asa de libertação (voo IX)

(escultura de Maria Leal da Costa)

Asa ferida, dorida
asa de libertação
tem sempre um voar sangrento
como a dor que num momento
de maneira destemida
te açoita o coração.
Esconde o seu sofrimento
com sorriso, numa pena
e com decisão serena
abandona o firmamento
escolhendo o movimento
de pousar na tua mão.

6.7.09

sombras


as sombras já não existem
porque o sol se recolheu
a lua mal apareceu
e escuridões diversas
com tonalidades dispersas
persistem em conversas,
fracas, mudas, apagadas,
frias, negras e cinzentas
cores à força retiradas
de paletas violentas

as noites reinam, tiranas
reprimem as cores humanas
galopam nos sentimentos
que em sufocados lamentos
contrapõem em motim

despertam-se então pensamentos
ao toque de clarim
com movimentos lentos
e sob ordem de sargentos
aparecem sonolentos
tentam acordar-se em mim

5.7.09

parado

foto: Susana Salgado Pires (http://www.olhares.com/)

parado, eu estou parado
sem vontade de esperar
parado sem sol sem lua
que iluminem uma rua
por onde eu possa passar

parado, capturado,
perfeitamente detido
insecto quase pútrido
envolvido numa teia
de rendilhado queimado
por ateada odisseia
que me deixa derrotado

parado, coração lento
com vontade de esgotar
baloiçando ao som do vento
anulando o batimento
que o vem alimentar

parado, dependurado
em ponteiro oxidado
de relógio solitário
por todos abandonado
e sem tempo p’ra contar

parado, eu estou parado
finjo que estou acordado
mas estou só a vegetar

30.6.09

naufragar

foto: Sirius (http://www.olhares.com/)

não, eu já não consigo
acender estrelas
que mesmo sendo belas
só por si se apagam
quando as afagam
quando cuidam delas

não, eu já não consigo
ser pastor de almas
que mesmo quando calmas
são dentro agitadas
agem, alteradas
deixam vis pegadas

não, eu já não consigo
navegar no mar
não sei esperar
por marés ligeiras
ou por luas cheias
quero naufragar

no fundo de mim
(que é o meu lugar)
paro de brilhar
fico só comigo
porque não consigo
voltar a sonhar

27.6.09

a visita das palavras

foto: André Filipe Antunes (http://www.olhares.com/)

Ligo as palavras portuguesas,
fazem-me companhia
e com passes de magia
entorno-as devagar pelo espaço
onde o silêncio é o som
que me faz adormecer, em cada dia.
Não as pretendo perceber,
sinto-as , deixo-as entrar e preencher
a alma calada e vazia
que resolveu amuar-se, ficar completamente fria
e resistir sem simpatia
às palavras que chegam indefesas

Palavras diversas, sem contexto, sem sentido:
“térmitas, moscas, aranhas e formigas
pululam numa árvore esquisita…”
são hoje uma ilustre visita
que vem aconchegar a saudade
usando uma estranha agilidade.
São palavras portuguesas
que chegam virtualmente acesas
ao coração agradecido
batendo devagar, meio perdido
em corpo cansado, entristecido

ciúme (voo VIII)

(escultura de Maria Leal da Costa)

Voas altivo, importante
deixas cego quem te vê
vens de lugar bem distante
chegas sempre sem porquê.
Atordoas tudo e todos
trazes frenesi a rodos
que sustenta feio lume
e numa aterragem forçada
deixas marca bem vincada
de ave feita ciúme

24.6.09

o tocador de acordeão

foto: Nuno Guimarães

O som inunda ruas vazias
vertendo valsas em noites frias
por cantos tristes e distraídos.
Escorrem leves, passos, ruídos
dalguns passantes comprometidos
que depositam os seus sorrisos
nos degraus velhos e bem polidos
onde descansam as melodias

Sabendo de cor alinhamentos
solto no ar meus pensamentos
que dançam ágeis uma canção.
Sentindo a noite tão envolvente
fico por lá eternamente
e as batidas do coração
fazem dueto de emoção
com tocador de acordeão

23.6.09

eu vi a lua

foto: Sérgio Boeira (www.olhares.com)

- eu vi a lua
dançando nua
num céu de estrelas
posto a sonhar
- eu vi a lua
que já foi tua
deitar-se ao mar
e mergulhar
- eu vi a lua
saindo à rua
vaidosa e linda
a caminhar
- eu vi a lua
como gazua
lesto corri
para a abraçar

20.6.09

lágrimas

foto: Carla Salgueiro (www.olhares.com)
As lágrimas invadem lentamente
socalcos do teu corpo atormentado
criando rios mornos de corrente
que lavam as feridas e em torrente
destroem os resquícios do passado.
E neste temporal anunciado
conduzem águas novas de nascente
temperam o sabor adocicado
da pele que teima em ser o leito
do amor que navega adivinhado
e pára suavemente no teu peito.

18.6.09

preso

foto: José Santa (www.olhares.com)

Estou preso, encerrado em liberdade
e regulado por ausência de verdade.
Estou preso, pelas grades da inveja
construídas com mestria
e sem que ninguém as veja,
ferem com grande jeito
encostando a alma fria
à parede do meu peito

Estou preso, com sorriso jovial
forçado, simples, banal
que amanho ao espelho
(olho-me, sinto-me velho…).
Estou preso, contando os dias,
para a alforria final.
Insano e paciente, falo comigo,
articulo sons, não ouço o que digo
contemplo reflectida,
uma imagem distorcida…
Estou preso, louco, cansado,
neste cárcere atraiçoado
nesta cadeia de vida.

16.6.09

restos de pessoas


Aqui as madrugadas são de luz
com restos de pessoas pelas ruas
em passos arrastados por rotinas,
percorrem a cidade, almas nuas.
De mágoas e vivências contrafeitas
consomem goles de álcool nas esquinas
desfazem esperanças liquefeitas
em tragos de bebidas libertinas.

Errantes caminham em passeios
errados nos sentidos intuídos
sem pressas colidem com anseios
que turvam pensamentos contundidos.

Num banco de jardim, já adormecem
nos braços das manhãs não desejadas
transpiram os vapores que se suspendem
nas gargantas pela noite destiladas.
Esperam pela luz da madrugada
por um atempado despertar
que os carrega pegada após pegada
ao costumeiro e triste vaguear.